= DECEPÇÃO CRÔNICA =
Qualquer um que passa por este mundo está sujeito a
vicissitudes. E, quanto mais atividades tiver, quanto mais pretender, quanto maior
for sua participação social, econômica,
suas lides nesta vida, maior é o grau de situações em que se embrenha. Fazendo
o bem ou mau, isso pouco importa. De qualquer forma é como se andássemos em um
espinheiro. Sempre, aqui ou ali, um espinho nos fere.
Há aquele conto do
escorpião que, rogando ao sapo para que o carregasse às costas atravessando o
rio, ao final, pica o sapo e este afunda morrendo afogado junto com o escorpião,
o qual lhe era beneficiário. Desesperado, afogando-se, o sapo pergunta: “Por
quê ? Por quê me mataste quando vamos morrer os dois ?” E o escorpião,
aguardando a morte por afogamento, lhe responde: “É minha natureza. Não pude
evitar.”
E, morrem os dois.
Outra fábula é da
cobra coral linda, enrodilhada sobre a neve prestes a morrer congelada. O
viandante a vê, apieda-se e a coloca aquecendo sob o casado. A primeira picada
foi, naturalmente, no caridoso andarilho que morre da picada letal.
Essa é a natureza
cruel destes dois infelizes. Um mata a quem o salva, outro a quem o auxilia.
E, assim, é esta vida.
Mas o pior de tudo
isso não é o mau que nos causa em si mesmo. É o mau que nos faz destruindo
nossa fé em quem quer que seja. Este é seu grande pecado. Deixa-nos
desconfiados, arredios, como a esperar o próximo bote, a próxima picada. Dá-nos
medo de quem temos dó, compaixão. Este é o crime maior que comentem por sua
natureza impiedosa e desditosa. Queremos e esforçamo-nos por esquecê-los, mas
eles ficam presente em nossa alma como a marca de uma ferida que não sara,
sempre somente piora em tamanho e dor.
Enfim, é a decepção
crônica.