quarta-feira, 3 de outubro de 2012

CELULAR & HOMEM


        Posto de combustível na Anhanguera, Limeira. Era noite.
        Um homem com celular no ouvido e gritando.
--Cumé ?! Fala mais arto. Num tô intendeno.
        Andava para cá e para lá com o celular no ouvido. Sua voz ouvia-se quase a uns cem metros, creio eu.
--Mas comcê qui é ? Não tô intendeno....
       Silêncio. Ele ouve o que estão dizendo-lhe no celular. E, pelos gritos, eu também já estava curioso mantendo certa distância do cidadão.
--Mas...
        É interrompido. Volta a gritar no celular após um minuto.
--Fii duma égua. Ocê bebeu ? Seu....
        Novamente interrompido.
        Já éramos dois interessados no diálogo.
--Fii duma puta...ocê  deixa chegá na divisa da Bahia prá pedi dispensa ?
        Agora o outro falava também, mas o de cá não ouvia mais nada, parece-me.
--Ocê é um fiié da puta...Entendeu? Vou pô ocê na cadeia....Canáia...Vagabundo...       
        Toma um fôlego, olhando a volta como se procurasse algum objeto. O desespero era grande. Fazia gestos de estar chutando coisas.
--Cê tá loco....Vai deixá u caminhão aí no posto ? Carregado ?
        E recomeçou a ladainha.
--Fii de égua, é o qui ocê é. Num pode deixá u caminhão aí, fi dá puta...Deixá cu dono do posto ?
        Ele suspira, toma fôlego, parece ouvir. Grita então.
--Não fié de puta...num pode deixá esse caminhão nu posto...num tem siguro...Eu vô matá ocê...vagabundo...
      Ouviu mais de trinta segundos em silêncio. Pensei que a crise resolvesse. Mas de repente o estouro foi enorme.
--Fii da puta....num vo falá cum ninguém du posto não...vou matá ocê...cachorro, vagabundo, sem vergonha....
        O desamparo do que estava no fone celular aqui foi imenso.
        O outro desligou o telefone.
        Ele tentava desesperadamente retornar a ligação.
        Só dava sinal de ocupado.
        Furioso disse ainda em voz alta: “Vo falá com u Gimiro.....”
      Em cólera insana entrou quase correndo no carro verde bastante usado, entre um misto de aflição e total abandono, quase chorando.  Não via mais nada.
     Logo depois tomei um café e, também, entrei na Anhanguera.
     Depois de rodar uns dez minutos vi guardas, luzes, o trafego em meia pista, resgate. Um acidente na estrada.
        Olhei. O carro era o carro verde dele.
         Havia muita gente no local.
J. R. M. Garcia.