sábado, 24 de novembro de 2012

FATO VERÍDICO - MINUTOS QUE PRECEDEM UM DESASTRE-

737-200  VASP

Eu não sei exatamente a data. Sei que devia ser novembro, o mês. E o dia, uma sexta-feira. O horário, aproximadamente 22 horas. Noite, portanto.
       Os aeroportos, os aviões, as pistas não eram exatamente como as de hoje. O avião era um 737-200. A companhia aérea era a antiga finada e saudosa VASP. Não existiam ainda os fingers. A bagagem de mão era portada por todos em uma fila até o aparelho.
       Era o último voo para São Paulo. Goiânia para SP.
      Este voo era o que se chamava “pinga-pinga”. Ele vinha do norte do país e, descendo a costa para o sul, aterrissava em todas capitais, ia até Brasília, Goiânia e continuava até São Paulo. Final de seu trajeto.
       O clima entre a tripulação era de extrema camaradagem e alegria, pois este era seu último percurso e, depois, descansar. O avião que já vinha lotado de Brasília, completou seus assentos em Goiânia. Estava cheio. Como o trajeto até SP era de aproximadamente hora e pouco, ele abasteceu-se.
       Enfim, estava pesado.
   Aos poucos cada um tomara seus lugares, acomodaram-se e as advertências de estilo foram feitas.
       O avião lentamente rolou pela pista na direção norte de onde iniciaria sua corrida para erguer-se.
       Notei que pelo peso ele rolara bastante, um pouquinho mais que o usual, pensei eu.
       Ergueu-se da pista. Mas não o suficiente. Continuou voando já nos descampados escuros em um vôo baixo.
       Eu estava sentando nas primeiras poltronas.

FOGO  NA  TURBINA

De repente, lá do fundo da aeronave vieram os gritos: “Fogo ! Fogo ! Fogo lá fora....”
       Não tive tempo de raciocinar. Poltrona do corredor, somente via a noite escura e sentia uma terrível sensação de que o avião não erguia. Ia voando baixo dentro da noite com a quilha embicada para o alto.
      Era constante minha pergunta ao passageiro ao lado e seus repetidos “nãos”. “O avião está erguendo”. E ele repetia: “Não”. E assim a coisa foi até que um tripulante desce correndo pelo corredor e, gaguejando, disse ao microfone: “O avião pegou um bicho na pista e estamos tentando retornar ao aeroporto.”
    Este “tentando” foi um lapso seu, é evidente. Mas somente fez aumentar nossa ansiedade.
      Eu, particularmemte, orava sem nem terminar uma prece começava outra. Fazia promessas absurdas.
       O silêncio na cabine era geral. Eu não podia morrer. Era pobre e tinha dois filhos pequenos.
       Um cheiro de carne torrada invadiu toda cabine.
       Mas lentamente, como se uma lufada de ar quente o pegasse por baixo, a aeronave ergueu-se como por milagre.  E o comandante fez uma volta lenta, aberta, distante da pista para novamente aterrisar do mesmo lado onde iniciáramos o voo. Longe via o aeroporto na noite escura e orava para que chegássemos lá.
       Lentamente, com o carinho de uma criança embalada nas mãos da mãe, o pouso foi perfeito.
TUMULTO   GERAL 

        Mas em seguida outro drama.
      Ninguém abria as portas e o que todos desejávamos era sair dali, pisar o chão.
       Ao lado da cabine de comando, uma porta se abriu e vi, através do vidro, o piloto bastante irado, distratar em gestos de agressão os funcionários do aeroporto.
      Já agora,  na cabine de passageiros, todos gritavam ao mesmo tempo que queriam sair.  A porta foi aberta aos empurrões e todos desceram aos pulos a escada ali colocada.

DESESPERADO  INGERE  UMA  GARRAFA DE  WISCK

Eu me lembro bem. Quando chegamos ao recinto do aeroporto um passageiro pediu um Wisck. Quando vieram servir-lhe com aquele copinho de medida, ele, encarando de frente o garçon pronto a desferir-lhe um soco,  tomou dele a garrafa e encheu o copo inteiro e, como água, bebeu. E firme continuou a segurar a garrafa. Congratulei-me com ele. Gostaria de beber também.
      Por pouco, por habilidade do piloto e a graça de Deus, não morreramos todos. As palhetas da turbina haviam carbonizado sob o impacto do dito animal. Ela o sugara e destruíra suas palhetas.   
       Muitos desistiram de voar esta noite. Eu esperei outro avião da VASP que veio de São Paulo e embarquei nele, pois tinha de ir. Já a tripulação não estava sorridente, as horas eram por volta 1,00 hora ou mais e a pista examinada de fio a pavio.
       O avião estava vazio.
       E, afinal, anos e anos passados, estou aqui relatando o fato a vocês.
       Noite feia a deste dia.  
       Um ótimo domingo Amigos.
       J. R. M. Garcia.