737-200 VASP
Eu não sei exatamente a data. Sei que devia ser novembro,
o mês. E o dia, uma sexta-feira. O horário, aproximadamente 22 horas. Noite,
portanto.
Os aeroportos, os aviões, as pistas não
eram exatamente como as de hoje. O avião era um 737-200. A companhia aérea era
a antiga finada e saudosa VASP. Não existiam ainda os fingers. A bagagem de mão
era portada por todos em uma fila até o aparelho.
Era o último voo para São Paulo. Goiânia
para SP.
Este voo era o que se chamava
“pinga-pinga”. Ele vinha do norte do país e, descendo a costa para o sul,
aterrissava em todas capitais, ia até Brasília, Goiânia e continuava até São
Paulo. Final de seu trajeto.
O clima entre a tripulação era de extrema
camaradagem e alegria, pois este era seu último percurso e, depois, descansar.
O avião que já vinha lotado de Brasília, completou seus assentos em Goiânia.
Estava cheio. Como o trajeto até SP era de aproximadamente hora e pouco, ele
abasteceu-se.
Enfim, estava pesado.
Aos poucos cada um tomara seus lugares,
acomodaram-se e as advertências de estilo foram feitas.
O avião lentamente rolou pela pista na
direção norte de onde iniciaria sua corrida para erguer-se.
Notei que pelo peso ele rolara bastante,
um pouquinho mais que o usual, pensei eu.
Ergueu-se da pista. Mas não o suficiente.
Continuou voando já nos descampados escuros em um vôo baixo.
Eu estava sentando nas primeiras
poltronas.
FOGO NA TURBINA
De
repente, lá do fundo da aeronave vieram os gritos: “Fogo ! Fogo ! Fogo lá
fora....”
Não tive tempo de raciocinar. Poltrona do
corredor, somente via a noite escura e sentia uma terrível sensação de que o
avião não erguia. Ia voando baixo dentro da noite com a quilha embicada para o
alto.
Era constante minha pergunta ao
passageiro ao lado e seus repetidos “nãos”. “O avião está erguendo”. E ele
repetia: “Não”. E assim a coisa foi até que um tripulante desce correndo pelo
corredor e, gaguejando, disse ao microfone: “O avião pegou um bicho na pista e
estamos tentando retornar ao aeroporto.”
Este “tentando” foi um lapso seu, é
evidente. Mas somente fez aumentar nossa ansiedade.
Eu, particularmemte, orava sem nem terminar
uma prece começava outra. Fazia promessas absurdas.
O silêncio na cabine era geral. Eu não
podia morrer. Era pobre e tinha dois filhos pequenos.
Um cheiro de carne torrada invadiu toda
cabine.
Mas lentamente, como se uma lufada de ar
quente o pegasse por baixo, a aeronave ergueu-se como por milagre. E o comandante fez uma volta lenta, aberta,
distante da pista para novamente aterrisar do mesmo lado onde iniciáramos o
voo. Longe via o aeroporto na noite escura e orava para que chegássemos lá.
Lentamente, com o carinho de uma criança
embalada nas mãos da mãe, o pouso foi perfeito.
TUMULTO GERAL
Mas
em seguida outro drama.
Ninguém abria as portas e o que todos
desejávamos era sair dali, pisar o chão.
Ao lado da cabine de comando, uma porta
se abriu e vi, através do vidro, o piloto bastante irado, distratar em gestos
de agressão os funcionários do aeroporto.
Já agora,
na cabine de passageiros, todos gritavam ao mesmo tempo que queriam
sair. A porta foi aberta aos empurrões e
todos desceram aos pulos a escada ali colocada.
DESESPERADO INGERE UMA GARRAFA DE WISCK
Eu
me lembro bem. Quando chegamos ao recinto do aeroporto um passageiro pediu um
Wisck. Quando vieram servir-lhe com aquele copinho de medida, ele, encarando de
frente o garçon pronto a desferir-lhe um soco, tomou dele a garrafa e encheu o copo inteiro
e, como água, bebeu. E firme continuou a segurar a garrafa. Congratulei-me com
ele. Gostaria de beber também.
Por pouco, por habilidade do piloto e a
graça de Deus, não morreramos todos. As palhetas da turbina haviam carbonizado
sob o impacto do dito animal. Ela o sugara e destruíra suas palhetas.
Muitos
desistiram de voar esta noite. Eu esperei outro avião da VASP que veio de São
Paulo e embarquei nele, pois tinha de ir. Já a tripulação não estava sorridente,
as horas eram por volta 1,00 hora ou mais e a pista examinada de fio a pavio.
O avião estava vazio.
E, afinal, anos e anos passados, estou
aqui relatando o fato a vocês.
Noite feia a deste dia.
Um ótimo domingo Amigos.
J. R. M. Garcia.