quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

CAUSO VERÍDICO

CESNA  170

         Não me recordo porque assim foi.

       Mas o certo é que lá de Pontes e Lacerda, Mato Grosso, procurarem-me com um enorme problema de uma empresa que se dedicava a colheita de grãos, estocagem e distribuição. Sua dívida ficou imensa. Vários bancos, empresas privadas, tratores financiados, caminhões transcendiam em muito seu patrimônio.

       A viagem era longa. Saia de São Paulo, descia acho que em Uberlândia e pousávamos em Cuiabá. No dia seguinte tomava um monotor fretado e, voando sobre a Serra das Araras, chegávamos, após uma hora e meia de voo, em Pontes e Lacerda. Pista de terra. O avião era um cesna 170.

SERRA  DAS  ARARAS

    Lindo voar sobre a serra em um dia claro. Vendo seus contornos nítidos, em voo baixo, apreciando exatamente as cabeceiras do Pantanal onde fácil era deduzir-se que ali fora uma baia onde o mar adentrara há milênios passados. Disseram-me que no alto das serranias, ainda se encontra conchas marinhas. Nitidamente, nas escarpas destas serras a gente vê, cá do alto, que o mar não desocupou rapidamente o local, mas foi um processo lento do afastar das águas firmando-se falésias agora secas por longos períodos. Desta serra nasce o Pantanal.

       E lá fomos nós.

PONTES  E  LACERDA 

       Uma hora e trinta de voo surge a cidade de Pontes e Lacerda.

          Aterrizamos. Esperavam-me.

       E foi aquela confusão por mais de semanas. Discussão com bancos, credores particulares, arrendamentos descumpridos e uma dívida imensa para a época. Impossível qualquer medida judicial.

       Como a Bolívia ficava próximo pela chamada “estrada do pó” (leia-se estrada da cocaína), aconselhei meus clientes a pegarem seus caminhões, que não eram poucos, carretas, carregá-los todos e em comitiva irem para a Bolívia, enquanto eu fazia ali uma espécie de “muro de arrimo judicial”, até que eles passassem a fronteira para o outro lado.

       E assim, com grande dificuldade em um embarque adrede preparado, eles “vazaram”, como se diz no linguajar chulo da fuga dentro da noite escura pela “estrada do pó”. E nunca mais soube do destino deles.

       Morreram ? Tornaram-se traficantes ? Conseguiram vida nova na Bolívia ?

       Nunca mais vi falar deles.

     Terminado o “muro de arrimo jurídico” tomei outro avião fretado e voltei.

       Agora tudo foi diferente.

PAULISTINHA

     O piloto era de garimpo e de tráfico de tóxicos. Não tinha brevê. O avião era outro. Era um “paulistinha” velho de lona encerada.

       Vi aquilo com medo e perguntei.

--A que altitude este avião vai ?

       O piloto, com cara de ressaca, entre uma baforada e outra respondeu:

--Uns mil e quinhentos metros.

--Mas então passaremos raspando o topo da serra ?

--É. Mas a gente conhece alguns caminhos no meio delas que não precisa ir tão alto.

       Mas...Tremendo o aviãozinho e eu, erguemo-nos.

    E fomos direto para a serra. Dentro de poucos minutos estávamos subindo para pulá-la.

       Uma névoa espessa, densa encobriu-nos toda visão.

   De repente eu dou grito horrível e completo minha explicação, a qual ele já vira.

       No meio da incrível cerração, haviam picos mais altos que o nosso aviãozinho. Teríamos de contorná-los. Mas naquela situação era impossível. Ele perdera a “estrada” de que falara.

--Vamos voltar....Ele completou.

       Mas eu pensava: “Voltar como, no meio daqueles picos que não víamos ?”

     Por fim, em um segundo clareou e abriu o horizonte. Estávamos voltando. O piloto sabia trabalhar em condições adversas com aquele teco-teco.

--Vamos descer aqui e esperar esta neblina ir embora.

       Dei graças a Deus. Aterramos em um frigorifico próximo a uma cidadezinha.

      Desci, peguei minha mala, pedi desculpas ao rapaz e disse que ia arrumar uma condução qualquer lá.

CORISCO 

     Uma hora depois surge no mitigado campo de aviação o gerente do frigorífico que ia passar por cima da Serra das Araras. Deu-me carona. Mas o avião era um corisco e isso já é outra história. Horrível por sinal.

       Outro dia conto.

       Abraços.

       J. R. M. Garcia.