TEMPOS DIFÍCEIS
Penso que alguns ou muitos de vocês, saibam que
fui aos treze anos para o internato de jesuítas. Antigamente isso existia.
Lá fiquei até os 18 anos e, depois, passei a
viver em hoteis e “repúblicas” por nove anos consecutivos. EmSão Paulo e
Ribeirão Preto.
Talvez, por isso, hoje moro em um hotel.
Nestes anos de hoteis e ”repúblicas” aconteceu
de tudo. Escapar vivo desta maratona da juventude já era um teste para viver
mais um pouco daí em diante. Maconha,
craque não existiam e se existissem eram drogas fracas. E a heroina era cara e pouco disseminada. Mas
tinhamos uma droga terrível e mortal. As Metanfetaminas nominadas de várias formas, era o que se chama hoje
nos dicionários médicos “droga antiga, mas poderosa”, somadas ao alcool, iamos a loucura quase
total. O pulso subia a cem, cento e vinte, a pressão arterial aumentava e é
como se dentro da cabeça um turbilhão de coisas zoavam. Perdi
alguns amigos sob efeito delas. Quando mortos ficavam azul. E, até hoje, não
sei o porquê. Se alguém souber explique-me esta coloração interessante.
Tinhamos turmas. Viviamos a noite enturmados e
alcoolizados. Anos e anos passei por este desgaste terrível.
Estudava-se ?
Sim. Durante os três primeiros anos enfrentei o
Bandeirantes, em São Paulo. À aquela época um colégio realmente sério. E foi lá
que entrei em contato com as Metanfetaminas.
Quinze dias bebia e quinze dias estudava como um louco, sem dormir, para
aproveitar as notas do mês. Ali vi um primeiro colega tombar azul. Estava magro
como um palito e sem dormir há dias. Morreu, simplesmente. Mas estudava-se sim.
Esquecia-se o que estudava, mas passava de ano.
Em Ribeirão Preto, época em que morava em um hotel sobre o Pinguim,
a gente fazia exames até bêbados, mas passava-se. E a isso ainda somava as
aulas que eu dava de Trigonometria, em um dos primeiros cursinhos preparatórios
para engenharia.
Conto-lhes isso para que sintam a ambiência dissoluta da vida que
vivíamos, sem tirar nem por. Aliás. Dissoluta é eufemismo. Não me orgulho disso.
Detesto este período. Mas, infelizmente, o vivi.
VESTIMENTA CLÁSSICA
Sempre gostei das Letras e tinha um amigo excelente poeta. Hoje
creio que morto. Mas um poeta extraordinário. Versejava como as águas da chuva
caem nas bicas e rolam sem rumo pelas calçadas.
Coisa linda ouvi-lo declamar ! Pode ser que Álvarez de Azevedo, Castro
Alves, Emílio de Meneses, Bilac tenham-se igualado a ele, mas ultrapassá-lo
não.
Ele trajava-se esmeradamente à moda romântica antiga. Colete, abotoaduras
de ouro, punhos grandes, paletó, colarinho duro e gravata. Sempre. Bêbado ou
não, sempre foi assim.
Uma noite, madrugada já no bruxulear da aurora nascente, vínhamos
ele e eu, trançando as pernas pela rua. Ele, elegantemente vestido, mas com um
pão sob o braço. Pretendia comê-lo ao chegar à “república”.
Deparamos com um amontoado de gente. “Uma festa”, pensamos. E logo
deduzimos. “Vamos lá. A festa está no fim e ninguém nos notará. Vamos comer e
beber.”
Respiramos fundo, firmamos os passos e retos como somente os bêbados
são capazes de fazer, fomos direto para a festa.
Entramos firmes. Não queríamos ser notados.
Ele comia pouco, pois usava muito “remédio”. Eu tinha bom apetite e
imaginava as iguarias da festa. E, por azar nosso e de todos, uma bandeja
passou servida de coxinhas e café logo ao chegarmos ao alpendre. Deliciamo-nos.
Bem, amigos !
Para um blog, já os fiz ler muito hoje.
Amanhã a gente acaba esta história verídica no Segundo Capítulo.
Abraços.
J. R. M. Garcia.