sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O REGRESSO

CORISCO

Em atenção ao eficiente gerente do “resort” onde habito, Sr. ΝΙΚΟΛΑΟΣ   ΧΑΡΙΛΑΟΣ   ΚΑΣΦΙΚΗΣ, um grego, vou terminar o fato verídico que narrei ontem. O retorno da viagem a Pontes e Lacerda. Também em atenção a todos vocês. Mas ele solicitou-me. Afinal, todo grego é curioso, vocês sabiam ?
Vamos lá.
Embarcamos a bordo do pequeno “corisco” e, em uma pista estreita e curta, alçamos voo em direção contrária ao vento. O piloto e o gerente do frigorifico à frente, eu atrás. Logo voltamos e tomamos o rumo da Serra das Araras.
Chegado a um determinado ponto adrede definido pelo piloto, começamos a fazer voltas. (o GPS ainda não existia). Subíamos sempre. Umas quatro voltas se bem me lembro. Em espiral ascendente. 
SOBRE AS NUVENS
Por fim, suponho que cerca de 1.500 mts. de altura, vimos sobre a serra uma cortina de nuvens densas e o horizonte azul, livre a perder de vista.  
Aí entendi o estratégia do piloto.
Ele subira, fora da serra, até a altura que, vendo em baixo a cortina de nuvens, ia pular a serra em cerca de meia hora mais ou menos e, do outro lado desceria também sem nada que lhe opusesse a visão.
Medida inteligente: pular as nuvens, a neblina, a serra e, do outro lado, descer.
Voamos aproximadamente uns trinta minutos.
O piloto começou a inverter a posição da quilha, a medida que fizera antes ao subir. Fazendo uma espiral descendente começamos a ir ao rumo em que ele, pelos instrumentos, supunha que estava a pista.
Pronto.
CABINE DE PILOTO EM VOO CEGO
Aí a coisa embaraçou e embaçou.
Mergulhamos novamente em uma neblina tão densa como a que fugíramos dentro da serra. Não se via nada.
A orientação era o altímetro e orar para que, de fato, tivéssemos “pulado” a serra e nenhum morro nos esperasse do outro lado para matar.
FLAPS DE ARRASTO
Creiam-me: o tempo não se mede pelas horas e nem pelos dias. Mede-se sim pela intensidade de nossas emoções. Os instantes haviam congelado. Nada falávamos. Só o ronco estridente e acelerado do motor e o flaps de arrasto segurando.
O avião descendo, descendo, buscando o solo em um voo com poucos graus de inclinação na quilha. Digamos que tateávamos as nuvens como a mão de um cego passa sobre uma mesa em busca de algum objeto. Mas o objeto aqui, se fosse uma antena alta ou um serro, ou torres de energia elétrica, era morte certa. Mesmo acelerado o “corisco” não teria tempo. Seria o fim.
Transpirávamos. O dia era quente. Gotas de suor escorriam pelas faces do piloto, eu vi. Nada falávamos.
Enfim, por Deus, vimos em um buraco entre a névoa em que enxergamos o chão. Como um rato o piloto embicou ali o avião antes que fechasse. Foi rápido, muito rápido. Estávamos abaixo das nuvens a uns duzentos metros do chão.
E voamos assim em linha reta rumo ao aeroporto, que não era o de Cuiabá, como eu esperava. Descemos em um campo de pouso de grama a uns 30 km. de Cuiabá. Porquê isso não perguntei e não sei.  
Enfim, pousamos. Descemos rápido como se estivéssemos saindo de uma câmara de tortura. O gerente do frigorífico, que deixara de fumar, voltou a fumar pedindo-me um cigarro.
Fui com eles para Cuiabá.
Neste dia não voei mais, embora pudesse. Estava esgotado.
O que ganhei com isso ?
Quase nada. Uns poucos níqueis. Com a fuga para a Bolívia nunca mais vi meus ex-clientes.
Até mais.
J. R. M. Garcia.