JULGAMENTO DE SÓCRATES
Quando me refiro aos cegos, não estou a enaltecer os que não
enxergam. Estes não. Eles, possivelmente, veem muito mais que nós.
Sócrates,
filósofo da antiga Grécia, julgado pelo Tribunal dos 500, defendeu-se explicitando
que nada mais fazia em sua pregação aos jovens, senão aclarar o que estava
escrito sobre os pórticos do Templo de Delfos: “Conheça-te a ti mesmo.”
São estes, os
que a si ignoram-se não se vendo, que me refiro aqui como cegos.
Por quê digo isso
?
Porquê a maioria
de nós não se vê. Imaginamos que tudo inicia no Shopping, no cinema, no motel e
tudo ali também termina.
Mas, por quê
“louvado sejam os cegos”?
ZUMBI
Porquê estes, condenando
Sócrates a morte, são felizes da vida, contentes, lépidos, folgados,
tranquilos, serenos. Nada veem, nada sentem. Não se vendo não podem enchergar
seus semelhantes e passam por este mundo como zumbis desencarnados. São de um
egoísmo telúrico, se posso expressar-me assim.
DIVÃ ANALISTA
Já o que se veem, sofrem. A
proposta de Sócrates é uma autocrítica e autoanálise pesada e franca. Ao nos
vermos, somos obrigados a uma investigação sistemática de nós mesmo. É como se
arrastássemos sobre nós um foco de luz e começássemos a escanear nossa alma,
fazendo uma espécie de autopsia viva de nosso espírito.
HIPOPÓTAMO
Assim, creio que seja muito mais feliz os “cegos”,
comportando-se com o couro grosso de um hipopótamo, nada sentindo que não lhe
ultrapasse a pele terrivelmente resistente. Já o infeliz que vê, que sente, de
delicados sentires, sofre em si e por si o que lhe vai a volta, tal qual a
gaivota que, das alturas, vê toda vastidão da terra.
Deste modo,
louvado sejam os cegos.
Uma ótima quinta
feira.
J. R. M. Garcia.