Hoje
é meu aniversário. Faço muitos e muitos anos.
Será que se eu fosse diferente do que sou,
chegaria vivo até aqui?
Melhor dizendo.
Se eu fosse redondinho, certinho, um
inglês cheio de bom senso, dentro dos trinques, enfrentando a tempo e hora
todos meus deveres, com horário certo para dormir, para levantar, cumprindo
exatamente todas obrigações regulares, sem nunca errar, sem insônias malditas,
tomando refeições nos horários certos, nunca transgredindo eventuais normas e
regras, sem ousar “jogadas” no escuro, sem perder, sem ganhar, sem tomar resmas
de comprimidos para dormir, para acordar, uma pessoa exemplar e enjoadinha etc.,
como estaria agora?
Ao contrário, fiz muito do que não devia.
Fui expulso de dois colégios. Envolvi-me nesta porcaria de golpe de estado de
1964. Fui submetido a inquérito policial militar. Processado civil e
criminalmente na Justiça comum. Tive
várias sindicâncias pela OAB. Fui atirado duas vezes em tentativa de furto.
Sofri dois infartos. Tive comas induzidas por desastres de trânsito. Sofri.
Trabalhei um bocado. Distribui ações judiciais por todo este país. De meus clientes nunca tive uma única queixa,
graças a Deus.
Mas, e se nada disso tivesse acontecido?
A verdade é que sempre reagi a este
ambiente sonolento, paradoxalmente violentíssimo que é esta pátria amada, onde
roubam, assassinam 50.000 por ano, exploram, sacaneiam, assaltam, violentam,
humilham e o governo, indiferente em todas suas manifestações, explora os
viventes desde a hora que nascem até que morrem.
Nunca compactuei com este meio. Desde libertar macacos
dependurados em postes até reagir a injustiças gritantes, foi o que fiz. Sempre
temi e reagi a este processo de morrer em silêncio.
Se de todo não me absolvo, também de todo não me condeno.
Vivi da maneira que consegui.
Muito agradeço a Deus e Nossa Senhora Aparecida, e aos bons
amigos. Dos maus amigos já esqueci.
J. R. M. GARCIA