CRÔNICAS E CONTOS (Borges e Garcia)
LADRÕES LEGALIZADOS
Coloque-se na condição de dois
jovens de dezesseis anos, de classe média baixa e experimente sentir o que eles
sentem. Com fidelidade não vai conseguir, mas com um pouco de imaginação poderá,
pelo menos, supor.
Eles sentirão uma invasão de
hormônios a encher-lhes o sangue. Suas glândulas, até ontem dormentes, submergem
seus corpos em ondas sucessivas buscando aproximá-los. Ela de um rapaz e ele de
uma moça. Ambos sentem o que antes não sentiam com tanta frequência. Mas, agora,
é vívido seu interesse pelo sexo oposto. E eles querem fazer tudo certo. Querem
namorar, passear, andarem juntos, ir a festas e, enfim, casarem.
Mas as limitações são muitas e, quanto ao futuro,
recusam-se até mesmo a pensar.
Olham para um mundo cheios de
ofertas, de bens a consumir e sabem que o mínimo necessário se faz necessário
para se estabelecerem uma casa, um lar. Mas como conseguir?
Agonizam-se. Não há meios. Uma
terra sem emprego, onde as manchetes de jornal são povoadas de políticos
ladrões, o assassinato em média beira a 56.000 ao ano. A cada 15 minutos um
menor é preso, o emprego é difícil e, quando existe, ganha-se pouco demais. Mas
ele e ela se amam. Essa é a verdade.
Como enfrentar isso. Não tem
emprego nem para pagar o aluguel.
E os hormônios a replicarem,
cada vez mais insistente, no casal.
Em verdade amam-se.
Essa á a situação usual da
classe média brasileira.
Disso advém a ansiedade, a
angústia e a loucura. Querem o que seus hormônios exigem. Querem o mais
simples. O que fizeram seus pais no passado. Namorarem, casarem, terem um lar e
viverem.
Mas isso lhes é proibido. Se
tentarem esta imitação estarão fracassados ou destruídos.
Logo, para aplacar suas
vontades imperiosas surge a ansiedade, a angústia, a vício e a loucura. Ou, ao
contrário, cometem a transgressão de todas
as normas, tornando-se ladrões não legalizados. Digo não legalizados, porquê os
legalizados estão no Congresso, no Judiciário e no Governo e nem sequer
imaginam este problema que aqui abordo.
Logo, pelos fatos, quem são os
culpados?
Somos nós que colocamos mais
de 200 milhões de pessoas a viver em um país pobre, maldito, sem condições, ou
eles que são as vítimas por terem nascido?
A caridade aqui cabe como um
gesto humano de compreensão.
Não são marginais. Foram sim
feitos marginais.
Um ótimo domingo.
J. R. M. Garcia.
<martinsegarcia@uol.com.br>