quinta-feira, 1 de outubro de 2015

CRÔNICA E CONTOS - " UM SER SOLITÁRI0 "(Borges e Garcia)


CRÔNICAS E CONTOS



UM SER SOLITARIO



Um ser solitário.
Quando eu era menino eu não sei se era solitário, mas me lembro de dois fatos verídicos.
Deitado em um berço com beiradas altas, próximo a cama de meu pai e minha mãe, olhando para o teto, vi um raio de luz que descia por entre uma telha e incidia sobre meus olhos. Não havia forro e por ali passava um finíssimo raio de luz. Eu o via e, com as mãos brincava com ele. Ora cruzava-o. Ora tampava-o. Ora acompanhava-o até as telhas. Queria, parece, pegá-lo para mim, o que naturalmente era inútil. Como não sabia falar, a ninguém contei e isso veio-me sempre a memória. Essa é a primeira lembrança do mundo externo.
Depois, bem mais tarde, talvez aos doze anos ou menos ouvi pelo microfone de uma rádio que existia de fronte minha casa a música: “...é o dia dos namorados, toda terra está em flor, só se vê menino e moça de braço dado com seu amor...” Mais, não sei. Quando vi estava chorando. Chorando lágrimas muitas que escorriam pelo rosto.
Por quê ?
Não sei. Fiquei triste e chorei.
Agora, já velho, ao deixar a casa de uma senhora e dirigindo-me ao Viracopos, vi-me perdidamente triste e chorando lágrimas velhas de um velho.
Aí então chorei de verdade. Em uma hora devo ter chorado todas lágrimas que possuía. Quis parar o carro, mas não podia. O voo tinha hora marcada.
Voando de Uberlândia a Brasília e começando a ler o livro Grandes Sertões: Veredas, de Guimarães Rosa, vi-me convulsivamente em lágrimas. Passei vexame. Talvez eu conhecesse aquelas veredas e a linguagem que os personagens (avós, tios, peões) usassem). Joquei o livro fora. Nunca vou lê-lo. Pergunto: sou um ser solitário ?
Para o consumo sou extrovertido, gosto de rir e faço piadas de mim mesmo e sorrio das que me fazem.
E então pergunto, meu querido leitor, estes ataques solitários e infundados de choros. a que se devem?
Gostaria que me explicassem neste nosso cantinho aqui.
Ótimo fim de semana e pensem no meu caso.
Abraços.
J. R.  M. Garcia.