CRÔNICAS E CONTOS (Borges e Garcia)
DOCE INOCÊNCIA
MORRIS WEST
Esbarrei
um dia destes com a autobiografia de Morris West.
Ele
é explícito e, como sempre, um narrador incrível.
Não
sei se para se autobiografar ou o quê lá seja, ele exibe da Itália fatos que
chocou-me, como a ruela putrefata da “Rua dos Dois leprosos.”
Vestindo-se
como um miserável pedinte, em vestimentas esfarrapadas e fedorentas, ele
adentra a pobreza moral, física e inimaginável da escória de Roma.
Ele
que romanceou a vida de príncipes, se atira agora a ver um outro lado deste
mesmo mundo. E se choca. Revolta e diz mesmo que sempre nesta miséria é a vida
dos pobres da cidade encantadora, ao
lado de uma desgraça nojenta que se esconde sob seus porões.
E,
embora dizendo-se cristão, revolta-se contra Deus.
Jornalista,
ele interroga o Papa sem resposta, com o argumento de que: “Sendo Papa, ele
provavelmente abster-se-ia de debater a questão com você.” Foi o que lhe disse
um acompanhante.
E
Morris atesta: “Sempre tive uma relação problemática com essa teologia. Tenho
por experiência pessoal, que os mais nobres e os piores seres humanos de
infinitudes.”
E
mais adiante, categoricamente, assevera: “É por esta razão que julgo que não
posso acreditar na ideia fundamentalista de punição eterna, portanto infinita, devido
a um ato finito.”
Mas
é preciso lembrar que este homem estava cansado, já há dois anos de sua morte,
que se deu em 1999.
Seus romances estão repletos de ambivalências
morais, mostrando que a separação entre o bem e o mal quase nunca é nítida e
que às vezes é preciso cometer o mal por um bem maior.
Mas
é neste seu último livro autobiográfico que toda verdade vem a tona, sem qual pincelada
de deísmo próprio a rondar-lhe a alma.
Escreveu
o livro sob a pressão de terceiros. Talvez não devesse.
Há
muito ele já perdera a glória de sua doce inocência.
Uma
boa semana.
J.
R. M. Garcia.