quarta-feira, 14 de outubro de 2015

CRÔNICAS E CONTOS (Borges e Garcia) "DOCE INOCÊNCIA"

CRÔNICAS E CONTOS (Borges e Garcia)

DOCE   INOCÊNCIA


MORRIS  WEST

      Esbarrei um dia destes com a autobiografia de Morris West.
      Ele é explícito e, como sempre, um narrador incrível.
     Não sei se para se autobiografar ou o quê lá seja, ele exibe da Itália fatos que chocou-me, como a ruela putrefata da “Rua dos Dois leprosos.”
      Vestindo-se como um miserável pedinte, em vestimentas esfarrapadas e fedorentas, ele adentra a pobreza moral, física e inimaginável da escória de Roma.
     Ele que romanceou a vida de príncipes, se atira agora a ver um outro lado deste mesmo mundo. E se choca. Revolta e diz mesmo que sempre nesta miséria é a vida dos pobres da  cidade encantadora, ao lado de uma desgraça nojenta que se esconde sob seus porões.
      E, embora dizendo-se cristão, revolta-se contra Deus.
Jornalista, ele interroga o Papa sem resposta, com o argumento de que: “Sendo Papa, ele provavelmente abster-se-ia de debater a questão com você.” Foi o que lhe disse um acompanhante.
   E Morris atesta: “Sempre tive uma relação problemática com essa teologia. Tenho por experiência pessoal, que os mais nobres e os piores seres humanos de infinitudes.”
     E mais adiante, categoricamente, assevera: “É por esta razão que julgo que não posso acreditar na ideia fundamentalista de punição eterna, portanto infinita, devido a um ato finito.”
    Mas é preciso lembrar que este homem estava cansado, já há dois anos de sua morte, que se deu em 1999.
    Seus romances estão repletos de ambivalências morais, mostrando que a separação entre o bem e o mal quase nunca é nítida e que às vezes é preciso cometer o mal por um bem maior. 
    Mas é neste seu último livro autobiográfico que toda verdade vem a tona, sem qual pincelada de deísmo próprio a rondar-lhe a alma.
      Escreveu o livro sob a pressão de terceiros. Talvez não devesse.
      Há muito ele já perdera a glória de sua doce inocência.
      Uma boa semana.
     J. R. M. Garcia.