CRÔNICAS E CONTOS ( Borges e Garcia)
= FAMÍLIA CIBERNÉTICA =
Este é um fato novo e não previsto
nos anais da sociologia e psicologia.
Estou certo disso.
As distâncias sempre
existiram. Antigamente maiores. Há pouco tempo menores. E, com a internet, a
coisa mudou muito. Todo o mundo está dentro de minha casa e ninguém está. O
aparelhozinho controla. Estou jantando e minha filha está aqui, mas na verdade
não está. Se esquecemos o quê dizer, nem
lembramos mais e as ideias escapam como o vento que entra pela janela.
A discussão sobre um elemento ou
um assunto mais ou menos complexo, fica embaraçado nas palavras sem de fato
esclarecer nada.
Conheço famílias com quatro
filhos que vivem longe, até para fugir das responsabilidades que “teriam” para
com os pais. Ou, às vezes, da miséria, das dificuldades em ganhar a vida. Suam
e sofrem para economizar algo para os pais. Sei de um fato triste, que o filho
tendo economizado alguns poucos pecúlis e mandando para o pai guardar, para
quando voltassem, iriam comprar uma casa. O velho pai, viciado, foi jogando na mesa de jogo. Quando o filho
chegou, antes de vê-lo, suicidou-se.
O clima emocional de um é
distante do de outro. Ninguém mais está como antigamente esteve. É uma conversa
formal, uma vez que não se sabe como o outro está reagindo animicamente. Não lhe
vê as faces senão filmadas, que deforma. As experiências vividos por um são bem
diferentes do que as de outro.
E depois se esconde, não se
mostra e, quando você procura, a pessoa não está, estando.
E isso é um elemento de solidão gregária. Talvez a juventude,
mesmo meio velhinha, não perceba ainda isso.
Mas é. Um dia descobrirá que
ninguém está por si e ela também não estará por ninguém.
Antigamente os velhos tinham
alguma utilidade para se aconselhar, agora eles foram trocados pelo Google e
deles só se tem interesse no dinheiro, quando possuem. Fora isso...
A energia elétrica que nos
abastece vem de longe, os remédios, os veículos. São tudo trocas. Mas não
valorizamos isso. Mas devemos muito ao carteiro. Digo mais: quanto mais nos
distanciamos, mais gregários ficamos.
Imaginemos que sejamos tão
“tarados” a ponto de uma única pessoa preencher-nos a vida manipulando-nos. Mas
será que isso é o bastante? Somos animais societário por natureza. Isso ninguém
ousou negar. Vivemos em conjunto.
Trocamos idéias – o que é primordial – E
mais: trocamos emoções. Estas emoções tem efeitos sobre nós, altera-nos os
ânimos e traz-nos vida. Supondo que não estejamos em mãos de uma pessoa
manipuladora ao extremo, podemos viver uma fantasia e, no final de nossa
existência, vermos que a vida não passou de uma empulhação.
E jogar tudo isso para cima,
como de uma janela, não é bom.
E nossos ancestrais?
E nossas lembranças?
E o estar uns com os outros?
Eu não creio que filósofo
algum defenda que um abraço real de saudade, seja como algumas linhas de
computador vazias.
Dir-me-ão: “Falo de mim
somente. E não de outros”.
Sim. Primeiro sinto e depois falo. E o fato do sentir
é algo pessoal, somente faz sentido falando se sinto e o quê sinto. Sem sentir,
escreverei como o som de um tambor vazio que faz unicamente som.
Afinal, quem negar a força de
um abraço, o apertar do corpo contra o outro, o beijo na face, o ajuntar-se
para um, jantar, um almoço, este já está perdido, pois perdeu a alma.
Bem ou mau, mas a internet
está aí e ela propiciará isso por algum tempo.
Será um mundo aparente até
que, de repente, pode ou não mudar.
Oremos.
J. R. M.Garcia.
<martinsegarcia@uol.com.br>