É UM ADEUS
Eu quero lembrar
estes dias.
Não os esqueceria
por nada. Eles me darão forças para mais além e, ainda que cobrando a dor, os
lenitivos é a própria recordação.
O dia vinha
amanhecendo como esta madrugada de agora, que vai pintando de um vermelho
arroxeado o dia que vem surgindo. É assim como o lento recuperar-se de
ferimentos recentes.
Mas isso aconteceu
há muito tempo.
Papai, mamãe e eu,
entravamos em uma antiga jardineira que nos conduziria até Barretos,
atravessando em balsa o rio Grande, entre Minas e São Paulo e até lá seria uma
estrada de terra empoeirada e batida.
Deixávamos a
pequenina cidade de Ituiutaba. Em Barretos tomávamos, a sete da noite, o trem
de ferro da Paulista e iriamos até Barrinha, onde em outra jardineira, em
estrada de terra, chegávamos a Batatais por volta de meia noite.
Eu tinha então 13
anos, muita saúde e tão cheio de hormônios que se me tocassem com um ferro em
brasa eu pensaria que seria um doce ou uma punhalada mortal.
Enfim, completada a
viagem, no dia seguinte, fui deixado sob os cuidados dos padres jesuítas, onde
ficaria por quatro meses até a primeira volta a Itiuutaba. E depois voltava, e
votava e voltava até nunca mais voltar.
Despedida sem
lágrimas de minha parte e de minha mãe, e os grandes portões de ferro fundido
foram fechados separando-nos. Eles e eu. Dois mundos diversos com suas vidas
próprias, com destinos extremamente diversos.
Agora, este ano,
passados sessenta anos, a mesma separação.
Depois de muitas idas e vindas ao Uruguay para lá
estabelecer residência e outras atividades, foi meu único filho homem.
Agora eu já velho,
alquebrado, cansado e na certeza definitiva de que foi para sempre.
A razão de sua
ida: não suportar mais o Brasil. Náusea.
Em mim foi tão
duro o esperado golpe que, dois meses depois, estoura uma ulcera sangrenta no
estômago.
O silêncio e a dor
inclui preço e, às vezes, o corpo cobra.
Duas vezes o Brasil me deve. A primeira a separação de
meus pais para estudar em um internato remoto e, agora, a separação do filho
por não suportar mais este país.
Dos canalhas
malandros políticos não me esquecerei, e as penas sobre eles jogadas serão pequenas
perto dos sofrimentos de todos
brasileiros.
Um bom domingo,
uma boa semana.
E não esqueçam
esta lição: estes marginais nos devem isso e muito, muito mais do que vocês nem
sonham.
J. R.M.Garcia.
<martinsegarcia@uol.com.br>