sábado, 12 de dezembro de 2015

CRÔNICAS E CONTOS (Borges Garcia) - É UM ADEUS -



É  UM  ADEUS

Eu quero lembrar estes dias.
Não os esqueceria por nada. Eles me darão forças para mais além e, ainda que cobrando a dor, os lenitivos é a própria recordação.
O dia vinha amanhecendo como esta madrugada de agora, que vai pintando de um vermelho arroxeado o dia que vem surgindo. É assim como o lento recuperar-se de ferimentos recentes.
Mas isso aconteceu há muito tempo.
Papai, mamãe e eu, entravamos em uma antiga jardineira que nos conduziria até Barretos, atravessando em balsa o rio Grande, entre Minas e São Paulo e até lá seria uma estrada de terra empoeirada e batida.
Deixávamos a pequenina cidade de Ituiutaba. Em Barretos tomávamos, a sete da noite, o trem de ferro da Paulista e iriamos até Barrinha, onde em outra jardineira, em estrada de terra, chegávamos a Batatais por volta de meia noite.
Eu tinha então 13 anos, muita saúde e tão cheio de hormônios que se me tocassem com um ferro em brasa eu pensaria que seria um doce ou uma punhalada mortal.
Enfim, completada a viagem, no dia seguinte, fui deixado sob os cuidados dos padres jesuítas, onde ficaria por quatro meses até a primeira volta a Itiuutaba. E depois voltava, e votava e voltava até nunca mais voltar.
Despedida sem lágrimas de minha parte e de minha mãe, e os grandes portões de ferro fundido foram fechados separando-nos. Eles e eu. Dois mundos diversos com suas vidas próprias, com destinos extremamente diversos.  
Agora, este ano, passados sessenta anos, a mesma separação.
Depois de muitas idas e vindas ao Uruguay para lá estabelecer residência e outras atividades, foi meu único filho homem.
Agora eu já velho, alquebrado, cansado e na certeza definitiva de que foi para sempre.
A razão de sua ida: não suportar mais o Brasil. Náusea.
Em mim foi tão duro o esperado golpe que, dois meses depois, estoura uma ulcera sangrenta no estômago.
O silêncio e a dor inclui preço e, às vezes, o corpo cobra.
Duas vezes o Brasil me deve. A primeira a separação de meus pais para estudar em um internato remoto e, agora, a separação do filho por não suportar mais este país.
Dos canalhas malandros políticos não me esquecerei, e as penas sobre eles jogadas serão pequenas perto dos sofrimentos  de todos brasileiros.
Um bom domingo, uma boa semana.
E não esqueçam esta lição: estes marginais nos devem isso e muito, muito mais do que vocês nem sonham.
J. R.M.Garcia.
<martinsegarcia@uol.com.br>