sábado, 2 de janeiro de 2016

CRÔNICAS E CONTOS (Borges e Garcia) = MIMETISMO INVOLUNTÁRIO E CABOCLO =

CRÔNICAS E CONTOS (Borges e Garcia)

MIMETISMO  INVOLUNTÁRIO E CABOCLO 


Exatamente não entendo.
Talvez eu tenha uma personalidade multifacetada. Ou  -   quem sabe  -  a ausência mesma de qualquer personalidade. Adaptável eu sei que sou. Não o quanto chegue a ser um ator mambembe, mas casos impõe-se que me levam a isso. Digamos que possuo algo mimético corporal.
Vejamos.
Certa feita, nos idos que não mais sei quando, eu estava olhando umas chinelas destas de dedo, em Brasília, vestido de bermudas, uma chinela idêntica. Passou um transeunte, parou e perguntou-me:
---Bichinho! Quanto custa estas "missangas", aí?
Olhei-o e vi que estava realmente enganado. Respondi:
---Veja com aquele cara sentado no caixote. É ele que está vendendo.
De outra improvisada, eu estava, à noite, com um chapéu de palha, calça remendada, em um leilão de gado em Uberaba, olhando uns jacás. Para quem não sabe, é um sexto redondo para carregar milho, trançado de bambu.
Passa alguns frequentadores do leilão e, sem nem um boa noite, vão dizendo:
---Ô cara...quanto custa?
---Sei não. Não sou eu quem está vendendo.
Em São Paulo, uma vez, tendo ido de suspensório, gravata e colete até o arquivo do Fórum João Mendes, informar-me sobre um processo que lá deveria estar. A moça atendente, muito respeitosa, chegou e falou baixinho comigo no balcão:
---O senhor é Desembargador aposentado, não é? Vou atende-lo rapidinho.
Deixei que ela pensasse assim.
Em Uberaba, estando a assistir um leilão de gado, dado alguns lances, surgiu o “pisteiro” e perguntou-me:
---O senhor é o senhor Lúdio Coelho, não é?
Desta vez neguei. Lúdio, era ex-senador no Mato Grosso do Sul, tinha muitos inimigos e vai que resolvam dar-me uns pescoções.
Pousando na Argentina, uma noite, vindo do Brasil, no ero parque, dirigi-me com a filha para as balsas afim de pegar uma para Colônia, Uruguai. A última estava zarpando. Já era mais de vinte horas.
Um guarda perguntou-me em castelhano:
---O senhor é de onde?
Seco, sem olhar para ele, respondi:
---I ame cánada....(a pronuncia foi esta mesma, com acento no “cánada”, como fariam os couboys) .
Por incrível que possa parecer, ele fez parar o embarque e, enquanto lá dentro não colocou minhas malas e minha filha, não deu ordem para zarpar. E veja bem. Era um argentino, raça historicamente aguerrida.
Claro. Eu nada sei de inglês. Se me pergunta o nome, não saberia dizer.
Ontem, saindo do supermercado, tendo isqueiro e não cigarros, vi uma roda de fumantes, estes transgressores da Lei. Todos da América Latina, mas não brasileiros. O tipo mais espalhafatoso entre eles saiu logo falando alto.
---Vejam! É Don Corleone....Don Corleone... Se não é, vai ser irmão.
E com um portunhol deixei-os falando.
E os outros concordaram.
Com esta eu não contava.
Vou esperar outras, que terão de ser casuais. Depois conto aqui.
Abração.
J. R. M. Garcia.
< martinsegarcia@uol.com.br>