CRÔNICAS E CONTOS (Borges e Garcia)
GORILA MORTO A TIROS ENJAULADO
Isso faz muito tempo. Nem sei se meu sobrinho, Creso, ainda se lembra do
ocorrido. Eu ainda me recordo e creio que o curral fosse o antigo de nossa
fazenda, com lascas de aroeira fincadas em pé. Lúgubre. Todo cercado de denso
madeirame alto e bastante grande. As únicas porteiras eram duas. Uma de saída e
outra de entrada. O acesso a aquels espécie de engradado eram estas porteiras.
Do contrário, o que lado dentro se via eram por frestas da cerca ou por estas
porteiras.
Eu não sei a espécie de lida que lá estavam fazendo. Talvez passando o
gado no tronco, apartando vacas e bezerros. O gado não era manso, pois os dois
peões estavam a cavalo.
De repente meu sobrinho pequeno (três anos quando muito) entra no curral
debaixo da porteira e no meio do gado corre em direção ao tronco, onde estavam os
bezerros.
Outra não deu. As vacas -algumas-
galopam em direção a ele para afastá-lo dali com os chifres abaixados.
Eu, um moleque, pulo a porteira e, sem nem uma vara na mão, interponho-me brrando
na disposição de levar a chifrada primeira entre ele é uma vaca mais disposta
que ia apanhá-lo em cheio. Ela chegou a uns três metros de mim e partiu para o
lado.
Nesta altura, pelos meus gritos e a movimentação do gado, os peões
interceptaram e levaram os animais para o outro canto do curral para que,
correndo, escapássemos em direção a porteira. Ele, meu sobrinho, já em meus
braços.
Levei de meu pai um terrível puxão de orelha pelo ocorrido.
Esta ideia veio-me quando um
gorila, preso na selva, trazido para o cativeiro, ali trancado em um pequeno
espaço, é abatido a tiros pelos
funcionários de um zoológico.
Será que precisariam tanto? Será que com gritos e uma vara não poderiam
tê-lo afastado da criança? Será que a covardia, o medo e o comodismo não achou
mais fácil mata-lo? Será que as intenções do gorila com a criança fossem de fato
maltratá-la?
Este mundo de um fato estou certo: está cada dia mais covarde e medroso.
J. R. M. Garcia.