quinta-feira, 23 de junho de 2016

CRÔNICAS E CONTOS (Borges e Garcia)

MIMETISMO  CABOCLO




Exatamente não entendo.
Talvez eu tenha uma personalidade multifacetária. Ou,  -   quem sabe  -  a ausência mesma de qualquer personalidade. Adaptável eu sei que sou. Não o quanto chegue a ser um ator, mesmo mambembe, mas casos impõe-se que me levem essa conclusão.
Digamos que possuo algo mimético corporal.
Certa feita, -(já narrei isso aqui)- nos idos que não mais sei quando, eu estava olhando umas chinelas destas de dedo, em Brasília, vestido de bermudas, uma chinela idêntica. Passou um transeunte, parou e perguntou-me:
---Bichinho! Quanto custa estas missangas, aí?
Olhei-o e vi que estava realmente enganado. Respondi:
---Veja com aquele cara sentado no caixote. É ele que está vendendo.
De outra improvisada, eu estava, à noite, com um chapéu de palha, calça remendada, em um leilão de gado em Uberaba, olhando uns jacás. Para quem não sabe, é um sexto redondo para carregar milho, trançado de bambu.
Passa alguns frequentadores do leilão e, sem nem um boa noite, vão dizendo:
---Ô cara...quanto custa?
---Sei não. Não sou eu quem está vendendo.
Em São Paulo, uma vez, tendo ido de suspensório, gravata e colete até o arquivo do Fórum João Mendes, informar-me sobre um processo que lá deveria estar. A moça atendente, muito respeitosa, chegou e falou baixinho no balcão:
---O senhor é Desembargador aposentado, não é? Vou atende-lo rapidinho.
Deixei que ela pensasse assim.
Em Uberaba, estando a assistir um leilão de gado, dado alguns lances, surgiu o “pisteiro” e perguntou-me:
---O senhor é o senhor Lúdio Coelho, não é?
Desta vez neguei efático. Lúdio, era ex-senador no Mato Grosso do Sul, tinha muitos inimigos e vai que resolvam dar-me uns pescoções.
Pousando na Argentina, uma noite, vindo do Brasil, no ero parque, dirigi-me com a filha para as balsas afim de pegar uma para Colônia, Uruguai. A última estava zarpando. Já era mais de vinte horas.
Um guarda perguntou-me em castelhano:
---O senhor é de onde?
Seco, sem olhar para ele, respondi:
---“I ame cánada....” (a pronuncia foi esta mesma, com acento no “cánada”, como fariam os couboys .
Por incrível que possa parecer, ele fez parar o embarque e, enquanto lá dentro não colocou minhas malas e minha filha, não deu ordem para zarpar. E veja bem. Era um argentino, raça historicamente aguerrida.
Claro. Eu nada sei de inglês. Se me pergunta o nome, não saberia dizer.
Ontem, saindo do supermercado, tendo isqueiro e não cigarros, vi uma roda de fumantes, estes transgressores da Lei. Todos da América Latina, mas não brasileiros. O tipo mais espalhafatoso entre eles saiu logo falando alto.
---Enchularse Don Corleone....Don Corleone... Se não é, vai ser irmão.
E com um portunhol deixei-os falando.
Mas com esta eu não contava.  
Estava em um restaurante no porto, em Montevidéu, quando saí para fumar fora do recinto. Fiquei ali pela porta indo e voltando. Eu estava chegando da fazenda completamente mal vestido: um casaco preto, sujo, calça de roça, chinela de dedo, camiseta cavada sob o casaco. Apaguei o cigarro e voltei ao restaurante. Uma moça atendente, que trabalhava no estabelecimento, veio imediatamente a minha entrada e, fazendo um gesto discreto, disse: “Não...aqui dentro não pode pedir esmolas....” Eu a olhei surpreso, quando já lá de dentro um dos amigos se dirigiu a ela de forma incisiva: “Que isso ! Ele é nosso amigo. Saiu para fumar....”
A moça nem se desculpou. Sumiu.   
Vou esperar outras, que terão de ser casuais e depois conto aqui.
Abração.
J. R. M. Garcia.
< martinsegarcia@uol.com.br>