domingo, 7 de agosto de 2016

CRÔNICAS E CONTOS (Borges e Garcia) = PACÍFICO GARCIA =

CRÔNICAS E CONTOS (Borges e Garcia)

  PACÍFICO GARCIA  

VELHO  SOLITÁRIO 

Uma lenda.
Estou falando de épocas muito antigas.
Meu pai foi criado por este homem até a idade de quatorze anos. Ele era seu tio.
Tendo meu pai sido obrigado a sair da casa materna para ir morar com uma tia e, lá vendo Pacífico que ele estava passando fome, levou-o consigo em sua vida perdulária. Tudo uma pobreza enorme naqueles fundões do Brasil.
E assim foi.
Vi poucas vezes Pacífico Garcia já bem velho. Sempre curioso, atrás de aventuras as mais perigosas. Para se ver, sempre que o Juiz da Comarca achava que uma pessoa era rebelde e perigosa, lá era nomeado Pacífico “ad oque” para cumprir o melindroso mandato. E, às vezes, o que resultava era dele trazer o citando preso e amarrado.  Excesso de zelo? Não. Tarefa completa. Resistência a receber citação era “cadeia nele” e isso somente o Juiz. Por isso buscava o bicho peado.
Foi atirado várias vezes, mas sempre teve sorte.
Escrevia bem, fazia poesias (ninguém soube explicar-me como aprendeu) e brigava para todos lados.
Imagina que. naqueles idos, passando pela cidade o que nominavam “cometa” -mascates de quinquilharias-, Pacífico foi com eles para o Rio de Janeiro. Surgiu depois de quatro meses, pois o Rio, montado em uma mula, as distâncias eram enormes. Ninguém antes dele, naqueles fundões de Goiás, havia ido ao Rio.
A cidade parou.
Pacífico ficou dando “conferências” sobre o que era o Rio, o que era o mar, os prédios que viu e por onde andou na descida e subida da Serra do Mar.
Imaginem que este homem, Pacífico, ficou três dias resistindo mais de uma dezena de soldados dentro de uma Igreja. Quem levava “matula” para ele era meu pai pelos fundos da obra sacra. Hoje a Igreja ainda existe.
Meu sogro, que o conheceu bem velho também, achava-o simpático, mas disse que quando ficava bêbado ficava dando tiros dentro do bar e todo mundo ia embora. E fechar o bar era tiro na certa.
Ele nominava os objetos. Seu revolver era chamado Naguão. Sua faca Mata Gente. Tinha esta mania de nominar os objetos inanimados. Parece que era uma doença.
Ele e o irmão, quando se encontravam em algum boteco, era briga na certa.
Minha mãe não gostava dele.
E a última lembrança que tenho dele é bebendo um gole de pinga em um boteco para ir jantar lá em casa.
Na época haviam lançado o Sputnik. Ele temia que a máquina desse uma “rabanada”, como dizia, e acabar com a terra. Quando lhe expliquei que era pouco maior que uma bola de futebol ele ficou sério, pensou um pouco e caiu na gargalhada pedindo mais um gole da branquinha, com chamava, e disse:
--Isso é merda....
Não o vi mais.
Mulherengo, mas nunca casou. Não teve filhos. Soube que ele morreu só, dormindo provavelmente, em uma choça onde morava em  outra cidade.
Enfim, uma lenda.
Bom domingo.
J. R. M. Garcia.