CRÔNICAS E CONTOS (Borges e Garcia)
PACÍFICO GARCIA
VELHO SOLITÁRIO
Uma
lenda.
Estou
falando de épocas muito antigas.
Meu
pai foi criado por este homem até a idade de quatorze anos. Ele era seu tio.
Tendo
meu pai sido obrigado a sair da casa materna para ir morar com uma tia e, lá
vendo Pacífico que ele estava passando fome, levou-o consigo em sua vida
perdulária. Tudo uma pobreza enorme naqueles fundões do Brasil.
E
assim foi.
Vi
poucas vezes Pacífico Garcia já bem velho. Sempre curioso, atrás de aventuras
as mais perigosas. Para se ver, sempre que o Juiz da Comarca achava que uma
pessoa era rebelde e perigosa, lá era nomeado Pacífico “ad oque” para cumprir o
melindroso mandato. E, às vezes, o que resultava era dele trazer o citando
preso e amarrado. Excesso de zelo? Não. Tarefa
completa. Resistência a receber citação era “cadeia nele” e isso somente o
Juiz. Por isso buscava o bicho peado.
Foi
atirado várias vezes, mas sempre teve sorte.
Escrevia
bem, fazia poesias (ninguém soube explicar-me como aprendeu) e brigava para
todos lados.
Imagina
que. naqueles idos, passando pela cidade o que nominavam “cometa” -mascates de
quinquilharias-, Pacífico foi com eles para o Rio de Janeiro. Surgiu depois de
quatro meses, pois o Rio, montado em uma mula, as distâncias eram enormes.
Ninguém antes dele, naqueles fundões de Goiás, havia ido ao Rio.
A
cidade parou.
Pacífico
ficou dando “conferências” sobre o que era o Rio, o que era o mar, os prédios
que viu e por onde andou na descida e subida da Serra do Mar.
Imaginem
que este homem, Pacífico, ficou três dias resistindo mais de uma dezena de
soldados dentro de uma Igreja. Quem levava “matula” para ele era meu pai pelos
fundos da obra sacra. Hoje a Igreja ainda existe.
Meu
sogro, que o conheceu bem velho também, achava-o simpático, mas disse que
quando ficava bêbado ficava dando tiros dentro do bar e todo mundo ia embora. E
fechar o bar era tiro na certa.
Ele
nominava os objetos. Seu revolver era chamado Naguão. Sua faca Mata Gente.
Tinha esta mania de nominar os objetos inanimados. Parece que era uma doença.
Ele
e o irmão, quando se encontravam em algum boteco, era briga na certa.
Minha
mãe não gostava dele.
E
a última lembrança que tenho dele é bebendo um gole de pinga em um boteco para
ir jantar lá em casa.
Na época haviam
lançado o Sputnik. Ele temia que a máquina desse uma “rabanada”, como dizia, e
acabar com a terra. Quando lhe expliquei que era pouco maior que uma bola de
futebol ele ficou sério, pensou um pouco e caiu na gargalhada pedindo mais um
gole da branquinha, com chamava, e disse:
--Isso é merda....
Não
o vi mais.
Mulherengo,
mas nunca casou. Não teve filhos. Soube que ele morreu só, dormindo
provavelmente, em uma choça onde morava em
outra cidade.
Enfim,
uma lenda.
Bom
domingo.
J.
R. M. Garcia.