segunda-feira, 12 de setembro de 2016

= INFÂNCIA FELIZ =


CRÔNICAS E CONTOS (Borges e Garcia)

INFÂNCIA FELIZ



     É daqui desta esquina de um super-mercado, vendo o pessoal passar, que me surgem idéias. É uma mesa de bar agradável, onde todos são meus amigos e tomo costumeiramente meu café amargo. Pelo menos os pensamentos mais simples. O que faço do Blog é na verdade as vezes o que sinto, vejo, penso, recordo.
     Se ninguém me lê, pouco importa.
     Hoje estava pensando em um presente que meu trouxera de São Paulo, viagem longa e difícil naqueles tempos para os fundões das gerais. Deve ter-lhe custado -já que era pobre- os olhos da cara: vinte e um soldadinhos de chumbo e seus cavalos. Parte infantaria e parte cavalaria. Ao longo da vida perdi-os todos. 
     Na verdade fui um ótimo fazedor de brinquedos. Sabia, - talvez até saiba ainda -   fazer barquinhos com pás giratórias em sua popa com ingredientes de borracha torcida. A medida que elas eram destravadas o barquinho, (uma pequena taboinha), deslanchava sobre a água. Era ótimo fazedor de botões para o jogo de futebol de mesa. Os melhores eram de cascas de côco. Esses eram atacantes, já que deslizavam muito bem sobre a mesa e iam atingir longe, além da defesa, dando "chutes" fantásticos ao gol na pequenina pedra que servia de bola. Já os da defesa eram confeccionados com matéria plástica grandes e pesadões. Tentei fazê-los de metal, mas as regras do jogo não permitiam.
       Fui um bom jogador de botões, mas o campeão mesmo era Talmo. Diziam, por inveja talvez, que ele tinha uma amigo adulto para fazer-lhe as peças.
     Certa feita, de uma madeira macia chamada tamboril, fiz uma canoa que encantou a muitos. Era de quase meio metro e flutuava com seu leve peso muito bem. De quilha alta, eu notara que cortava a água com tranquilidade e sob ela um pequeno lema para dar-lhe equilíbrio.
      Mas fazia mais. Dos carretéis grandes que mamãe jogava fora, aprendi e fazer do par de rodas dentadas, com elástico enrolados, veículos pequenos. A medida que o elástico desenrolava as rodas dentadas iam em marcha lenta. 
       Mas fazer estilingues foi minha especialidade. Para pedras pesadas forquilhas bem abertas. Para obter boa mira, forquilhas estreitas no vão. Para caçar passarinho usava na algibeira dois estilingues: os de forquilha larga e o estreito. Conforme a distância optava-se por um ou outro. As pedras iam em outro embornal. Hoje não mato nem formiga.
       E desta infância feliz fui tirado abruptamente para um internato de padres jesuítas.
         Tudo acabou de um golpe só. Nunca mais fiz brinquedos.
         Mas a vida é mesmo assim. 
      Fui feliz com meus artefatos e minhas guerras de mentirinha.          J. R. M. Garcia.