POLITICAMENTE CORRETO (CRÔNICAS E CONTOS) -Borges e Garcia-
POLITICAMENTE CORRETO
Vejo que a massa da civilização, vai aos poucos tornando-se inteira e politicamente correto. A todos
aplicamos ritual social completo em plano primeiro e, em segundo, fé absoluta
nos primeiros. Assim, ao fazer uma petição para o Tribunal, tomo a cautela de
referir-me aos gentis cavalheiros juízes como “Colendo Tribunal”, ínclito juiz,
excelências, data vênia, permita-me uma sugestão, suplicante, meritíssimo etc.
Obrigam-nos a uma atitude protocolar correta sob pena do indeferimento
das medidas propostas.
Mas até aí seria apensa uma espécie de linguagem
eminentemente jurídica, com ceceios impertinentes ou pertinentes, se posso
falar assim. O mais grave é que, este hábito de injustificável frouxidão,
generaliza-se pela sociedade. Com maior ou menores consequências. Quando digo “cego”,
estou usando uma metáfora. Apenas uma pequena escala para fazer-me visível.
O “cego” é muito feliz dentro de sua falta de visão,
digamos assim. Ele quase nada vê. Até pode perceber, mas por medo ou covardia,
ou por descaso, ou conveniência faz que não vê. E vai tocando a vida de
qualquer jeito dentro de seus tropeços com aqueles que veem ou imaginam que
enxergam.
Surdo, por conveniência, também vive mais ou menos
dentro deste panorama. “Fazer-se de surdo” é uma expressão comuníssima. Fulano
faz que “não vê”, é como dizem. Ou uma expressão mais ao gosto clássico:
“Fulano faz ouvidos de mercador...” Ou chula: “Esse merda é cego como um
côrno...”
Outra coisinha bem safada é aquilo de dizer que “não
julga ninguém”. Seria como dizer ao companheiro que vai de metrô: “ Você
amigo, está esmagando meu pé sobre o seu desde o largo da Batata. Não quero
julgá-lo, mas é que não suporto a dor que estou sofrendo.” Os politicamente
incorretos são brutos e julgam sim: “Ô cidadão ! Que merda é essa ? Você vem
desde o largo da Batata em cima de meu pé não dá nem a mínima?” E dá um puta
empurrão no cara que ele sai meio que caindo de cima do pé dele e quase rola no
piso do metrô. Esse é um “julgador”, um pecador confesso. Um bruto. Mal
educado. Detesto este tipo de gente!
O “mudo” é outro. Ouve o maior absurdo sobre seu
amigo, semelhante ou o que lá seja e você olha pare ele meio abestalhado, já
que ele não diz nada. Os impropérios continuam e você pergunta ao “mudinho”:
“Que acha disso cumpanhero? Isso tá certo?” Ele responde: “Como? Não
ouvi...Este barulho do trânsito não me deixa ouvir. Coisa louca isso...”. E vai
feliz -será que mesmo feliz?- pairando acima desta gentalha que fala mal dos
outros.
Parece que a atitude politicamente correta hoje em dia
assemelha-se bem próximo do que os léxicos definem como covardia.
Será que estou enganado?
Se estou, com grave reverência, desculpo-me
humildemente. Não me puna. Sou seguidor de todos protocolos do mundo.
Um ótimo fim de semana.
J. R. M. Garcia.