Perfeito !
Isso deve ser o que todos sentimos
NÁUSEA
Arnaldo
Jabor
O Estado
de S.Paulo
O
grande Cole Porter tem uma letra de música que diz: "Conflicting questions
rise around my brain/ Should I order cyanide or order champagne?"
("Questões conflitantes rondam minha cabeça/ devo pedir cianureto ou
champagne?")
Sinto-me assim, como articulista. Para que escrever? Nada
adianta, nada. E como meu trabalho é ver o mal do mundo, um dia a depressão
bate.
A náusea - não a do Sartre, mas a minha. Não aguento mais ver
a cara do Lula, o homem que não sabe de nada, talvez nem conheça a Rosemary,
não aguento mais ver o Sarney mandando no País, transformando-nos num grande
"Maranhão", com o PT no bolso do jaquetão de teflon, enquanto
comunistas e fascistas discutem para ver quem é mais de "esquerda" ou
de "direita", com o Estado loteado por pelegos sem emprego, não
suporto a dúvida impotente dos tucanos sem projeto; não dá mais para ouvir
quantos campos de futebol foram destruídos por mês nas queimadas da Amazônia, enquanto
ecochatos correm nus na Europa, fazendo ridículos protestos contra o efeito
estufa;
Não aguento mais contar quantos foram assassinados por dia,
com secretários de segurança falando em "forças-tarefas" diante de
presídios que nem conseguem bloquear celulares, não suporto a polêmica
nacionalismo-pelego x liberalismo tucano, tenho enjoo de vagabundos
inúteis falando em "utopias", bispos dizendo bobagens sobre economia,
acadêmicos decepcionados com os 'cumpanheiros' sindicalistas, mas secretamente
fiéis à velha esquerda, que só pensa em acabar com a mídia livre,tremo ao ver a
República tratada no passado, nostalgias masoquistas de tortura, indenizações
para moleques, heranças malditas, ossadas do Araguaia e nenhuma reforma no
Estado paralítico e patrimonialista,
Não tolero mais a falta de imaginação ideológica dos homens
de bem, comparada com a imaginação dos canalhas, o que nos leva à retórica de
impossibilidades como nosso destino fatal e vejo que a única coisa que acontece
é que não acontece nada, apesar dos bilhões em propaganda para acharmos que
algo acontece.
Odeio a dúvida de Dilma, querendo fazer uma política
modernizante, mas batendo cabeça para o PT, esse partido peronista de direita.
Não aturo a dúvida ridícula que assola a reflexão política: paralisia x
voluntarismo, processo x solução, continuidade x ruptura; deprimo quando vejo a
militância dos ignorantes, a burrice com fome de sentido, balas perdidas sempre
acertando em crianças, imagens do Rio São Francisco com obras paradas e secas
sem fim, o trem-bala de bilhões atropelando escolas e hospitais falidos, filas
de doentes no SUS, caixas de banco abertas à dinamite, declarações de pobres
conformados com sua desgraça na TV;
Tenho engulhos ao ver a mísera liberdade como produto de
mercado, êxtases volúveis de 'descolados' dentro de um chiqueirinho de
irrelevâncias, buscando ideais como a bunda perfeita, bundas ambiciosas
querendo subir na vida, bundas com vida própria, mais importantes que suas
donas,
Odeio recordes sexuais, próteses de silicone, pênis voadores,
sucesso sem trabalho, a troca do mérito pela fama, não suporto mais anúncio de
cerveja com louras burras, abomino mulheres divididas entre a 'piranhagem' e a
'peruice', repugnam-me os sorrisos luminosos de celebridades bregas, passos de
ganso de manequim, notícias sobre quem come quem,
Horroriza-me sermos um bando de patetas de consumo, rebolando
em shoppings assaltados, enquanto os homens-bomba explodem no Oriente e
Ocidente, desovando cadáveres na Palestina e em Ramos, ônibus em fogo no
Jacarezinho e Heliópolis, a cara dos boçais do Hamas querendo jogar Israel no
mar e o repulsivo Bibi invadindo a Cisjordânia, o assassino pescoçudo Assad
eliminando o próprio povo, enquanto formigueiros de fiéis bárbaros no Islã
recitam o Alcorão com os rabos para cima, xiitas sangrando, sunitas chorando,
tudo no tão mal começado século 21, século 8.º para eles ainda, não aguento ver
que a pior violência é nosso convívio cético com a violência, o mal banalizado
e o bem como um charme burguês,
Não quero mais ouvir falar de "globalização",
enquanto meninos miseráveis fazem malabarismo nos sinais de trânsito, cariocas
de porre falam de política e paulistas de porre falam de mercado, museus
pós-modernos em forma de retorcidos bombardeios em vez da leveza perdida de
Niemeyer, espaços culturais sem arte nenhuma para botar dentro, a não ser
sinistras instalações com sangue de porco ou latinhas de cocô de picaretas
vestidos de "contemporâneos",
Não aguento chuvas em São Paulo e desabamentos no Rio,
enquanto a Igreja Universal constrói templos de
mármore com dinheiro arrancado dos ignorantes sem pagar Imposto de Renda,
festas de celebridades com cascata de camarão, matéria paga com casais em bodas
de prata, políticos se defendendo de roubalheira falando em "honra
ilibada", conselhos de ética formado por ladrões, suplentes cabeludos e
suplentes carecas ocultando os crimes, anúncios de celulares que fazem de tudo,
até "boquete";
Dá-me repulsa ver mulheres-bomba tirando foto com os
filhinhos antes de explodir e subir aos céus dos imbecis, odeio o prazer
suicida com que falamos sem agir sobre o derretimento das calotas polares,
polêmicas sobre casamento gay, racismo pedindo leis contra o racismo, odeio a
pedofilia perdoada na Igreja,
Vomito ao ver aquele rato do Irã falando que não houve Holocausto,
cercados pelas caras barbudas da boçal sabedoria de aiatolás, repugnam-me as
bochechas da Cristina Kirchner destruindo a Argentina, a barriga fascista do
Chávez, Maluf negando nossa existência, eternamente impune, confrange-me o papa
rezando contra a violência com seus olhinhos violentos,
Não suporto Cúpulas do G20 lamentando a miséria para nada,
tenho medo de tudo, inclusive da minha renitente depressão, estou de saco cheio
de mim mesmo, desta minha esperançazinha démodé e iluminista de articulista do
"bem", impotente diante do cinismo vencedor de criminosos políticos.
Daí, faço minha a dúvida de Cole Porter: devo pedir ao garçom
uma pílula de cianureto ou uma "flute" de champagne rosé?
Parabéns Jabor !
J. R. M. Garcia.