Escrivães, oficiais de justiça e peritos, assistentes
sociais, compõem uma não menos importante parte do corpo chamado “aparelho
judiciário”.
O advogado deve ter em mente que lidará, em sua advocacia,
não só com juízes e promotores, mas também com os serventuários da justiça.
Não menos importante é a figura destas pessoas ao advogado.
Vou contar um caso acontecido comigo e que, na leitura, você
notará a importância de um escrivão.
Um cliente, aliás um grande e importante cliente para mim na
época, telefonou-me dizendo que seu filho, quase um adolescente, iria me
procurar.
Recebi o rapaz. Ele explicou que tinha uma pequena loja de
eletrodomésticos. Disse que tinha feito uma compra de um fornecedor mas que
este fornecedor não mandara a mercadoria de acordo com o combinado. Ele havia
devolvido a mercadoria.
Então, o fornecedor sacara contra ele duplicatas, no valor
da venda não concluída. Não pagas as duplicatas, foram elas protestadas pelo
banco.
Agora, conforme a citação que trazia, o fornecedor havia
(ainda na lei antiga de falências) pedido a falência de sua loja. O valor
recordo-me claramente, já que estávamos no real: R$ 2.800,00.
Tomei a citação dele e li. Bem, o juiz assinalara o prazo
para contestar ou purgar a mora e, mais e inauditamente, marcará uma audiência
de tentativa de conciliação.
Evidentemente que não existia esta figura na lei de
falências antiga. Era uma construção jurisprudencial, até prudente, aonde os
juízes dispunham de seu tempo para tentar uma conciliação das partes.
O cliente perguntou o que fazer, se tinha de purgar a mora,
termo que aprendera lendo dúzias de vezes seu pedido de falência. Eu não pensei
muito. O juiz tinha “mostrado-se” liberal, adotado uma posição conciliatória.
Não havia dúvidas. Respondi:
--Fique tranquilo. Vou apresentar a contestação e você não
precisa depositar nada. Vamos à audiência de conciliação. SE não tiver acordo,
então, depositamos o valor por precaução.
O cliente saiu feliz e eu fiquei contente. Na minha contestação
havia argumentado que as duplicatas não estavam acompanhadas dos recibos de
entrega das mercadorias. Isto para mim era definitivo.
Veja, leitor, que sempre se pode ser tolo. Como eu, com mais
de 30 anos de advocacia então, poderia achar que havia “algo definitivo” em
Direito?
Sentei na sala de audiência, depois das preliminares de
praxe, instalado pelo juiz de havia acordo, disse que não havia possibilidade
de consenso já que meu cliente não recebera as mercadorias e nada devia do
valor cobrado, TANTO QUE NÃO HAVIA RECIBO DA ENTREGA DAS MERCADORIAS.
Percebi que o advogado da parte contrário ficou um tanto
“murcho” e pensei: ganhei a causa, preparando para um acordo no qual meu
cliente desistiria de uma ação indenizatória e a parte contrária do pedido de falência.
Eis então que o juiz vira-se de costas, girando sua cadeira,
para a mesa de audiência e, percebo, atônito, que começa a ditar a sentença.
Minha surpresa é de pânico. O juiz estava, simplesmente,
decretando a falência de meu cliente. Ali, ao vivo e à cores. Quando compreendi
este fato já não ouvi mais nada do que era ditado. Fiquei, por ainda longos 30
minutos, ouvindo a sentença, os pormenores do decreto da falência, com meu
cliente olhando-me entre inquisitivo e raivoso.
Bem, mas você deve estar perguntando o que tem este caso com
o escrevente.
Aí é que está: pelos termos da lei de empresa, deveria ser
lacrada nas 24 horas seguintes ao decreto da falência, com a arrecadação de
todos os bens.
Isto seria o fim de meu cliente, independentemente dos recursos
que eu pudesse usar, não conseguiria nunca, dentro dos termos escritos da lei,
a ruína de meu cliente.
Não pensei muito. Terminada a audiência, em poucas palavras,
disse ao meu cliente que iria fazer um recurso naquela mesma noite e iria à São
Paulo, distribuir e transmitir pessoalmente. Nem mesmo lhe falei em despesas.
Não havia clima para isso. Iria arcar com tudo.
Terminada esta sumária explicação despachei-me do cliente um
tanto afobado e corri ao cartório. Procurei o escrivão que chamou-me à sua mesa
e expliquei-lhe o que tinha havido. Mais: expliquei-lhe que cumprir aquele
decreto a tempo e hora da lei seria o fim do meu cliente. E ainda: disse-lhe
que o recurso que iria tentar no tribunal.
Por fim, após tudo isso, pedi que o escrivão retardasse o
cumprimento da ordem judicial por 48 horas, tempo que eu achava razoável para
tramitar o recurso que iria tentar, com pedido de efeito suspensivo.
Lembro-me como se fosse hoje. O escrivão cofiou sua barba
demoradamente (tempo que pareceu-me uma eternidade no estado de ansiedade que
eu encontrava-me) e, por fim, disse:
--Doutor, vai a São Paulo sossegado. Nós estamos com muito
serviço e demorarei pelo menos três dias para fazer o mandado.
Ufa! Não com o juiz, não com petições, mas com o escrivão,
dentro de um “juízo” de bom senso e razoabilidade, eu consegui o prazo que
precisava.
Fui ao tribunal, consegui o efeito suspensivo da demanda, a
loja não foi lacrada e, por fim, revertida a sentença, decretando-se a
improcedência do pedido de falência justamente em virtude de não haver recibo
de entrega das mercadorias.
Por este exemplo, verídico, vê-se a importância do
relacionamento do advogado com os serventuários da justiça.
Leia o caso completo no livro: "Confissões de um advogado" de minha autoria.
Tenham um ótimo final de semana!
J. R. M. Garcia