CRÔNICAS E CONTOS (Borges e Garcia)
OU NÃO ?
Já passei da época - e muito - de dizer mentiras. E mais: mentiras com o
intento de agradar terceiros.
Agora, já vivido tanto tempo no Brasil, é época de se dizer verdades.
Desagrade a quem for, eu não tenho o direito de dizer mentiras.
Não há quem não admire Guimarães Rosa pelos personagens, enredos de suas
estórias, a reflexão profunda de seus pensamentos e muito mais por uma
linguagem que ele anotou, preservando-a para o futuro. Hoje uma língua morta,
quase um dialeto sertanejo desenvolvido e retirado de nosso idioma.
Isso é o que faz Guimarães um escritor quase inigualável.
Mas, se há perfeição em sua obra, também escapa dele a interpretação
correta sobre si mesmo e seus semelhantes.
Ele diz: "O sertanejo
é, antes de tudo, um forte. ”
É uma besteira genial, porque vem de um quase gênio.
Onde
reside esta fortaleza que ele viu no brasileiro?
Seria de viver de sol a sol explorado por coronéis do café na
derrubada dos cerrados e matas?
Seria pelo desinteresse de nossas instituições, onde o BNDS e
CAIXA, financiam projetos milionários dos apaniguados do governo, ao prazo de
quase trinta anos e a juros quase zero?
Seria na tolerância que vivemos, nestes últimos quinhentos anos,
em um país quase escravocratas, cujos patrões viveram nas chamadas “cortes”, em
volta das mesas da Confeitaria Colombo e mamando literalmente nas tetas do
governo?
Seria na leniência que nosso judiciário tem para com os
poderosos e o rigor com os pobres sem poder?
Seria nosso desprezo pelos 65.000 assassinatos que se pratica
em toda nação em todos os anos?
Seria pelo descaso que nossas autoridades administrativas
abandonam a educação, a saúde, a segurança pública, os meios de transportes
urbanos, as cadeias públicas, as ruas cheias de viciados em conluio com a
polícia e os poderes públicos?
Bem! Se assim for o sertanejo, todo brasileiro é realmente um
forte.
É mais. É resistente, sem vergonha, ignorante, incapaz e
covarde.
Logo, por uma ou por outras razões, Guimarães Rosa e um
gênio, pois que a tudo isso ele certamente mensurou. Ou não?
J. R. M. Garcia.
<martinsegarcia@uol.com.br>