segunda-feira, 24 de junho de 2024

"ADORÁVEL" FAMÍLIA - CRÔNICAS E CONTOS - GARCIA


"ADORÁVEL"  FAMÍLIA

Imagino que desde que o mundo foi mundo e o ser humano apareceu por aqui, surgiu como família.
É fácil de distinguir isso. A criatura humana é frágil no princípio e requer anos e anos de aprendizados. E aliás, ensinamentos os mais comezinhos. Simples. Como aprender a comer, a andar, a defecar, a urinar, correr, a distinção entre uma escada e um degrau etc.
Ora, o pai e mãe, nestes rudimentos, por ignorantes que fossem, tinham de transmitir-lhes estes hábitos, costumes. Claro que o bebê recebe uma imensa carga genética, mas sem instrumentalizar estes instintos, teriam morrido nas primeiras chuvaradas sem abrigo.
Logo, a família se fez necessária.
Doutrinas houveram como o nazismo e comunismo radicais,  os quais, pretenderam substituir a família, entregando esta responsabilidade para o Estado. Mas isso não levou a nada, pois aqueles mesmo que pregavam estas ideias, eram dependentes de uma família.        Uma hipótese tolamente utópica e burra.
Há os revoltados contra a constituição familiar e os respeito, pois sofreram tanto que, destroçados, odeiam o berço de espinhos de onde vieram.  Outros possuem tanto medo de constituir uma família, que a estas não desejam. Também compreendo.
Hemingway dizia que a família é tão desgastante (antigamente não se usava o termo stress) que, com um oceano entre ela e ele, a um dólar por palavra no interurbano, vinha  azucrinar sua cabeça. E ele foi tão bem criado como se pode esperar  daqueles que excessivamente tiveram berço de ouro. Talvez por isso mesmo.
Freud dizia que o ambiente familiar era tão agressivo, quanto o da vida de um beco de desesperados.
Byron, nunca quis filhos. Se os tivesse, dizia, matava-os em duelo para não ser injusto. Ele, exímio duelista, não contou como seria este duelo.
A maioria de nós nunca pensou em família antes de constituí-la e aqui confesso meu caso. Nem tive um ambiente familiar razoável também. Vivi o que se pode dizer uma família virtual desde os treze anos.
Aqui prefiro falar como o disse Churchill: “A Democracia é o pior dos regimes, mas ainda assim é o melhor”. A família deve ser uma droga, mas nada inventaram que fosse melhor.
Uma boa noite.
Oremos.
 
J. R. M. Garcia.

segunda-feira, 17 de junho de 2024

SEITAS RELIGIOSAS - CRÔNICAS E CONTOS - GARCIA



SEITAS  RELIGIOSAS

             Minha Professora de Informática, ao final da aula, por sinal muito mais longa que o normal - indagou-me, porquê não escrevia uma matéria sobre as muitas seitas religiosas que se multiplicam em nossos tempos.

            Creiam-me, embora tenha estudado por quatro anos interno em colégio jesuíta, fazendo ali todo curso secundário, nada sei de Teologia. Esta matéria não era abordada ali e, aliás, nem sei o porquê. Orávamos muito, líamos mensalmente a biografia de santos da Igreja. Tínhamos aulas regulares de religião semanalmente, os sermões das missas dominicais fixavam-se em homilias do Novo Testamento. Nada mais além sobre matéria religiosa.

            Ainda alertei a Professora que estas seitas, casas de orações, cultos ou que nome sejam-lhes dado, são bastante expressivas e, com conceitos muito bem definidos.

CASA   DE   ORAÇÃO

            Deste modo, posso apenas dar testemunho de duas experiências pessoais, mais ou menos longas, com duas destas Igrejas.

            Em Caraguatatuba, fui contratado para requerer uma medida Judicial de Concordata, à luz do antigo Código. Hoje Recuperação Judicial de Empresas. Viajei para Caraguatatuba e por lá fiquei na primeira vez 30 dias, depois outros, e outros, e mais outros. Um ano talvez em meses intercalados. Ali eu habitava uma linda casa na praia do Tenório com o filho do dono da empresa. Local lindo, mas a noite eu ficava lá com a lua, o mar, a praia até que meu hospedeiro viesse do culto, que todas as noites frequentava em uma Igreja.

            Aos poucos fui aproximando-me daquela pessoal religioso. Existiam núcleos e eu frequentava um deles. O pastor era ótima pessoa, simples, de cultura mediana e, enfim, todos eram bons. Chamavam-se irmãos.

            Começavam a preparar uma espécie de congresso para os praticantes do culto religioso. Três dias. E eu, envolvido naquilo tudo com funções muito simples, pois não entendia nada.

   

HOMEM  GRITANDO

            Encurtando.

        Eram dois os pregadores. Um calmo, pacifista, de voz aveludada, paulistano. O outro era um carioca, hiperativo, passava de um a  lado a outro do palco de pregação gritando, ameaçando o fogo do inferno, praticamente aos pulos e, quando parava, pulava muito alto e gritava mais alto. No fim ou no meio desta pregação, algumas pessoas começaram a chorar, a rolar no chão como uma espécie de ataque epiléptico. Caiam um aqui, outro ali generalizadamente, enquanto os auxiliares, que já sabiam destes desmaios, acudiam os caídos. Na verdade foi um pandemônio de berros, gemidos, choros e palavras desconexas e até mordidas.

            Sai correndo. Fui embora para um hotel no centro e não voltei para a casa do amigo na praia do Tenório.

                Até hoje não entendi nada.

 

AMIGÁVEL  DISCUSSÃO   DE  CONVERSÃO

           De outra feita uma pessoa amiga, esclarecida, articulada, realmente dono de uma das empresas aéreas deste país, fez-me a corte por todo os meios para adentrar e converter-me a Igreja que, aliás, ele fez três para os fieis. Belas construções. Ao final, após meses da tentativa de conversão, ele contou-me discretamente que a esposa dele mentalmente obturava dentes de um dia para outro.  E, ainda, idiota que fui, perguntei: “Mas obturações a ouro ?” Ele confirmou.

            Fanático ou doido ?

            Bem !

            Nunca mais voltei ao assunto e afastei-me do bom amigo.

      Obvio que muitas religiões existem que são sérias, fazem realmente milagres, crescem e tem milhares de fieis neste mundão de Deus.

           Aqui apenas testemunhei dois fatos de que fui co-participante.

           Pensem como julgarem.

          Eu não entendo nada, mas sei que muitos safados existem que exploram a boa fé do povo.

           Boa terça.

           Abraços.

           J. R. M. Garcia.       


quarta-feira, 12 de junho de 2024

AS SOMBRAS DE UM MORTO = CRÔNICAS E CONTOS - GARCIA


 

         AS  SOMBRAS DE UM MORTO

         Antes foi assim.

        “Parece que meu cérebro está morrendo.

        Vejo as palavras à minha frente, vejo o texto, mas não consigo organizá-lo. A imagem é-me toda mostrada, mas não lhe arranjo as posições. As cores me ferem a vista em minha mais íntima percepção. Quando digo vermelho, não é isso que quero dizer. Foge-me o delinear de uma estória. Não há encadeamento. Não me concentro. Esqueço-o ao meio e perco sua lógica ou a falta de lógica. Olho as pessoas. Não lhes sei os nomes, quando recordo-me destes, não lembro o relacionamento que comigo existe ou existiu.

        Mas ao inverso recordo textos, regras que estudei no Latim há mais de sessenta anos e, às vezes, as uso. Convivo com Aristótales, Sócrates, Ulpiano, Santo Agostinho, Getúlio Vargas  como se fossem meus vizinhos, mas não conheço um só de meus vizinhos.

        Demoro a lembrar um nome, e termino por não lembrar. Distraído, confundo o nome das pessoas íntimas.

        Imagino um enredo seja para o que for, perco-o no meio ou minhas impressões se esgotam, quando vou relatá-los. Os sentimentos escapam.

        Datilógrafo há mais de cinquenta anos e, às vezes, perco as letras no teclado. Não as acho.

        Coloco objetos em locais inteiramente improváveis. Procuro-os e não os acho. Quando encontro não me lembro de tê-los colocado ali.

        As tomadas de luz as perco pelos quartos. Procura-as, mas não as encontro. Marco-as por escrito, especificando com bilhetes os locais, os quais, agora, já vejo com quase desespero que esqueço os quartos. Algumas vezes saio pela cidade procurando comprar algo específico. Acho a rua, mas não lembro o que fui fazer lá”.

        Agora é assim.

         O Alzheimer extraiu-lhe o cérebro.

         Tudo terminado.

         É um vegetal.

         J. R. M. Garcia.