AVIÃO POUSANDO NA NOITE
Madrugada alta -quatro horas da
manhã- pousando em uma cidade cujo nome não identificarei, o comandante, após
ter anunciado os procedimentos de descida, interrompeu-os e voltou para outra
altitude.
Explicou e justificou: “A torre avisa
que há um animal nas proximidades da pista. Tomaremos altitude e voltaremos até
que sejamos novamente autorizados. Pela atenção, obrigado.”
Eu sorri. Mas nem todos sorriram. Nada
havia a preocupar.
Os motores aceleram e, novamente, o
trem de pouso foi recolhido, os flaps invertidos e voltamos ali para uns mil
metros. A cidade, iluminada, apareceu na janelinha. Linda cidade. Muito bela.
Como é maravilhoso ver uma cidade cá do céu!
É como um bolo de noiva iluminado. As fieiras
de luzes margeando as ruas bem delineadas, subindo e descendo morros, cheias de
curvas algumas, outras retas, todas passando como um filme colorido. Ilhas de
escuridão, onde se situam locais não construídos, trânsito parado ainda, carros
isolados trafegando. Uma enorme represa com toda iluminação às margens, mais
outra e, agora, a perder de vista aquele universo onde luzes e escuridão se
confundem.
Mas, debaixo da terra, o metrô lotado
de gente como ratos, sem diferença de sexo, idades e o que mais não valha, vão
a estas horas exprimidos, cansados, exaustos cumprirem sua carga terrível de
trabalho para somente retornarem lá pelas vinte e duas horas, com sorte. São
mazelas de uma vida condenada ao sofrimento. Nasceram assim e assim morrerão. É
como respondeu Filipe da Macedônia ao filho Alexandre, sobre o destino cruel
dos escravos: “O crime deles é ter nascido.”
“Pouso autorizado.”
Soou a voz tranquilizadora do
comandante.
E a imensa aeronave tocou a pista
deslizando serena até o fim.
Palmas gerais.
Tenham uma feliz semana.
Abraços.
J. R. M. Garcia.
EM TEMPO: O infeliz animal era
uma égua em alegre pastoreio.