terça-feira, 5 de janeiro de 2016

CRÔNICAS E CONTOS (Borges e Garcia) = ZONA DE CONFORTO =

CRÔNICAS E CONTOS (Borges e Garcia)


"ZONA   DE   CONFORTO"

Assim dizem aos velhos, enquanto não apresentam sérios e visíveis problemas de saúde.
É certo. Correto. “Zona de conforto”. É mais ou menos como o indivíduo, caindo do vigésimo andar, passa pelo décimo e gritam-lhe: “Como vai aí? ”
E ele responde: “Até agora ótimo”.
Mas, pensando bem, tem um certo sentido nesta resposta.
Até o décimo andar ainda não caiu no concreto lá em baixo. Logo, vai bem. As dores virão após o impacto.
E o mesmo cabe ao velho, quando está na chamada “zona de conforto” prestes a terminar.
Se você leva uma vida regular, bem comportada, sem exagero, sem excesso, - talvez com uns quilinhos a mais localizados -  porque haver-se-ia de colocar este velho em agitação permanente?
Vai para academia, coloca-se a andar, faça exercícios, toma de obrigações que absolutamente não lhe diz respeito, coloca-o a rezar hora e horas....E vai por aí. Não peço nada de especial para comer, não encho o  saco de ninguém, não peço senão pequenos favores e atendo a tempo o que me pedem.
A verdade é que estão, de algum modo, “perturbando minha zona de conforto”.
E convenhamos, com toda sinceridade, quem trabalhou alguns anos a mais dos 70 anos -e ralando mesmo, a ponto de estourar-me uma úlcera sangrenta no estômago nestes anos-  não merece uma “zona de conforto”, pelo menos até o instante do impacto no rígido  solo?
Diz Miguel de Unamunos, o imortal poeta espanhol, que “El sentimiento trágico de la vida es la muerte.”
Logo, rolarei no piso asfaltado do térreo dentro de mais um, dois, três anos....
Para que arrebentar minha “zoninha”, com meus poucos anos aqui?
Só me atormentei até aqui.
Aí vem aqueles argumento falsos: “E se você morrer com dores, em precário estado físico e lastimáveis condições?”
Isso não pertence a mim  - sou temente a Deus – e Êle, somente Êle, decidirá por mim. Um ato de Fé.
Logo, bem aventurada a “zona de conforto”
Não me perturbem. Quero somente dormir, ler e escrever. Até as despesas de inventário já as paguei antecipadamente.
        J. R. M. Garcia.
<marinsegarcia@uol.com.br>