Vale dizer que
fui convidado a estar ali.
Na verdade, tal
foi o efeito sobre mim, que nunca mais poderei olhar um corpo caído pelas ruas, dormindo ao relento, sem imaginar o sonho de Berlioz.
A obra é um
sonho sem fim do autor que, provavelmente, teve contato com o ópio.
Eram outros os tempos. Nada igual e nem semelhante aos de agora. Não sei
porquê estes instantes ficaram-me na alma. Foi marcante para mim, com grande
paixão, o concerto
apresentado em uma linguagem contemporânea, utilizando três telões instalados
acima da orquestra, cujas imagens contracenavam com os seis atores no palco.
A Sociedade
Cultura Artística de São Paulo abriu a temporada 2009 com esta indescritível
Sinfonia Fantástica de Hector Berlioz, interpretada pela Orchestre
Des Champs-Élisées, dirigida
pelo Maestro Philippe Herreweghe, regente titular, em concerto realizado na
Sala São Paulo.
Em cinco
movimentos, iniciando com “Visões e
Paixões” e terminando em “Sonho de uma Noite de Sabá”. Para o autor, o
artista, sob efeito do ópio, tem alucinações
e estas são traduzidas em cinco situações indicadas através dos cinco movimentos.
Hoje vi um
corpo caído nas ruas vazias, sob a chuva, ao pé de uma mangueira que adorna as
avenidas de Belém. Era aparentemente o de um morto. Um sono sereno e profundo.
Mas, o quê lhe
ia na alma?
Talvez o sonho
de Berlioz?
Não saberemos
jamais. Talvez um garoto feliz brincando entre festas juninas, ou um rapaz
pescando às margens desta imensa foz. Um garoto jogando bola. A mãe
abraçando-o. Uma esposa esperando-o alegre com carinho. Uma noite de Natal
distante.
Seus sonhos
eram bons, pois tranqüilo era seu sono.
O quê é mais
real? Seu sonho ou sua vida de desgraçada miséria?
Melhor é que
ele experiencie desta forma a vida, ou caçando pão em latas de lixo?
Dignidade, amor
próprio, decência ele nem mais entende. Substituiu a vida por um sonho, do qual
somente sairá com o abraço da própria morte.
A isso a
genialidade do imortal Hector Berlioz
chamou, com muita propriedade, de Sinfonia Fantástica.
J. R. M.
Garcia.