quinta-feira, 19 de junho de 2014

= SINFONIA FANTÁSTICA =




Vale dizer que fui convidado a estar ali.
Na verdade, tal foi o efeito sobre mim, que nunca mais poderei olhar um corpo caído pelas ruas, dormindo ao relento, sem imaginar o sonho de Berlioz.
A obra é um sonho sem fim do autor que, provavelmente, teve contato com o ópio.
Eram outros os tempos. Nada igual e nem semelhante aos de agora. Não sei porquê estes instantes ficaram-me na alma. Foi marcante para mim, com grande paixão, o concerto apresentado em uma linguagem contemporânea, utilizando três telões instalados acima da orquestra, cujas imagens contracenavam com os seis atores no palco.
A Sociedade Cultura Artística de São Paulo abriu a temporada 2009 com esta indescritível Sinfonia Fantástica de Hector Berlioz, interpretada pela Orchestre Des Champs-Élisées, dirigida pelo Maestro Philippe Herreweghe, regente titular, em concerto realizado na Sala São Paulo.
Em cinco movimentos, iniciando com “Visões e Paixões” e terminando em “Sonho de uma Noite de Sabá”. Para o autor, o artista, sob efeito do ópio, tem alucinações e estas são traduzidas em cinco situações indicadas através dos cinco movimentos.
Hoje vi um corpo caído nas ruas vazias, sob a chuva, ao pé de uma mangueira que adorna as avenidas de Belém. Era aparentemente o de um morto. Um sono sereno e profundo.
Mas, o quê lhe ia na alma?
Talvez o sonho de Berlioz?
Não saberemos jamais. Talvez um garoto feliz brincando entre festas juninas, ou um rapaz pescando às margens desta imensa foz. Um garoto jogando bola. A mãe abraçando-o. Uma esposa esperando-o alegre com carinho. Uma noite de Natal distante.
Seus sonhos eram bons, pois tranqüilo era seu sono.
O quê é mais real? Seu sonho ou sua vida de desgraçada miséria?
Melhor é que ele experiencie desta forma a vida, ou caçando pão em latas de lixo?
Dignidade, amor próprio, decência ele nem mais entende. Substituiu a vida por um sonho, do qual somente sairá com o abraço da própria morte.
A isso a genialidade do imortal Hector Berlioz chamou, com muita propriedade, de Sinfonia Fantástica.
J. R. M. Garcia.