quarta-feira, 21 de setembro de 2022

CLIENTE (CRÔNICAS E CONTOS)

 


O CLIENTE

Todo o aparelho judiciário e a advocacia existem por causa e em única função: seu cliente.  Ele é a figura mais importante de todo Direito e das relações processuais. Ele é o único objeto e sujeito da Nação organizada em Estado. Ele, o  seu cliente, é o fim e o princípio de todo universo jurídico. Sem ele – seja qual for – quedam os tribunais sem razão de existir. O jogo acaba. Pode ir para casa os juízes, você advogado e seu ex-adverso se o cliente não mais existir, pois o plano determinado pelo triângulo da mesa onde se estabelecerá a justiça terminou.
Logo, gostaria aqui de estender um pouco sobre esta figura para a qual é feita a organização judicial do estado. Gostaria de fazer estas considerações mais extensas no campo filosófico, histórico e humano até porque juízes, advogados, serventuários da justiça, legisladores, executivos julgam muitas vezes que os clientes existem para eles. O Estado é servido por aqueles que o compõe, para que este mesmo Estado os sirvam. Muitas “Excelências” esquecem desta primeira e essencial premissa e, uma vez sendo togados legisladores, juízes, advogados esquecem que apenas são os clientes que estão a emprestarem-lhes esta condição e que eles mesmos são também clientes.
Não me estenderei nestas lembranças, porque não é aqui a finalidade deste modesto trabalho.
Contudo, deter-me-ei apenas nas características destas relações.
a)- Relações emocionais
Cliens-clientis- “O que está debaixo do patrocínio de alguém” – (Cícero). José Gretela Junior e Geraldo de Ulhôa Cintra – Dicionário Latino-Português .
Antes de sermos qualquer denominação que nos emprestarem neste planeta, a verdade é que somos humanos.
Esta condição de “ser  humano” não é a condição de “estar” advogado, juiz ou qualquer outra coisa.
Assim expressou-se Tertuliano sobre nossa condição: “ Muitos animais estranhos existem sobre a terra. Nenhum porém como homem”. O sábio tem indiscutivelmente razão.
Você já deu uma volta pelos corredores de um hospital, nas salas de emergência, tardias horas em uma noite de sábado?
Quanta angústia! Quanto desespero! Quanta aflição!
Horrível ver. Doloroso descrever. Difícil explicar. São mães que choram na esperança da estabilização do coração de um filho que sofreu grave traumatismo; esposas que esperam o resultado de uma tomografia de um marido que sofreu acidente; aquele pai desesperado que ainda culpando-se aguarda a filha voltar da coma por ingestão de veneno; aquela irmã desesperada que ameaça em desespero enlouquecedor invadir a sala de cirurgia. 
Ah! Meu Deus, que horror!
Você poderá dizer-me: “Neste caso são pacientes e não clientes e hospital não é Fórum”
Será que lhe assiste razão?
“Paciens-entis”- “que suporta, que resiste”. 
Já em Português, paciente é “indivíduo doente”; “indivíduo que está sob cuidados médicos”.
Paciente, como Termo jurídico é também “todo aquele que sofre uma ação ou omissão criminosa; a vítima do ilícito penal; o sujeito passivo do crime”. –(Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).
Logo se vê. A palavra cliente e paciente é muito mais uma questão etimológica do que mesmo uma diferenciação fática.
Quanto a Fórum não ser Hospital é porque talvez você não tenha prestado atenção a uma das varas da família de um grande foro como São Paulo.
Ali crianças já vi serem arrastadas de suas mães, enquanto estas, aos gritos, tentavam toma-las das mãos do Serventuário da Justiça.
E nos corredores do foro criminal, quando detentos algemados passam frente a suas mães, seus pais, seus filhos?
Como se chora! Como se sofre! 
Neste momento cliente e paciente misturam-se ao hospital e foro; médicos e juízes amalgamam-se em uma transparência única. São mães, pais, filhos, irmãos que se somam em uma triste condição onde a dor permeia de forma idêntica, vagando entre corações, deixando suas lágrimas rolarem sem qualquer pudor.
Horrível ver. Doloroso descrever. Difícil explicar.
Que não se conduza assim tão dramaticamente a eventual condição de clientes em momentos de extremo desespero. Sejamos mais amenos ou menos realistas se assim o desejarem. 

Trecho extraído do livro "Confissóes de um Advogado" de minha autoria.

Uma boa noite!

J. R. M. Garcia