sábado, 3 de setembro de 2022

ESCRIVÃES, OFICIAIS DE JUSTIÇA E PERITOS - (CRÔNICAS E CONTOS)

 



ESCRIVÃES, OFICIAIS DE JUSTIÇA E PERITOS

Escrivães, oficiais de justiça e peritos, assistentes sociais, compõem uma não menos importante parte do corpo chamado “aparelho judiciário”.

O advogado deve ter em mente que lidará, em sua advocacia, não só com juízes e promotores, mas também com os serventuários da justiça.

Não menos importante é a figura destas pessoas ao advogado.

Vou contar um caso acontecido comigo e que, na leitura, você notará a importância de um escrivão.

Um cliente, aliás um grande e importante cliente para mim na época, telefonou-me dizendo que seu filho, quase um adolescente, iria me procurar.

Recebi o rapaz. Ele explicou que tinha uma pequena loja de eletrodomésticos. Disse que tinha feito uma compra de um fornecedor mas que este fornecedor não mandara a mercadoria de acordo com o combinado. Ele havia devolvido a mercadoria.

Então, o fornecedor sacara contra ele duplicatas, no valor da venda não concluída. Não pagas as duplicatas, foram elas protestadas pelo banco.

Agora, conforme a citação que trazia, o fornecedor havia (ainda na lei antiga de falências) pedido a falência de sua loja. O valor recordo-me claramente, já que estávamos no real: R$ 2.800,00.

Tomei a citação dele e li. Bem, o juiz assinalara o prazo para contestar ou purgar a mora e, mais e inauditamente, marcará uma audiência de tentativa de conciliação.

Evidentemente que não existia esta figura na lei de falências antiga. Era uma construção jurisprudencial, até prudente, aonde os juízes dispunham de seu tempo para tentar uma conciliação das partes.

O cliente perguntou o que fazer, se tinha de purgar a mora, termo que aprendera lendo dúzias de vezes seu pedido de falência. Eu não pensei muito. O juiz tinha “mostrado-se” liberal, adotado uma posição conciliatória. Não havia dúvidas. Respondi:

--Fique tranquilo. Vou apresentar a contestação e você não precisa depositar nada. Vamos à audiência de conciliação. SE não tiver acordo, então, depositamos o valor por precaução.

O cliente saiu feliz e eu fiquei contente. Na minha contestação havia argumentado que as duplicatas não estavam acompanhadas dos recibos de entrega das mercadorias. Isto para mim era definitivo.

Veja, leitor, que sempre se pode ser tolo. Como eu, com mais de 30 anos de advocacia então, poderia achar que havia “algo definitivo” em Direito?

Sentei na sala de audiência, depois das preliminares de praxe, instalado pelo juiz de havia acordo, disse que não havia possibilidade de consenso já que meu cliente não recebera as mercadorias e nada devia do valor cobrado, TANTO QUE NÃO HAVIA RECIBO DA ENTREGA DAS MERCADORIAS.

Percebi que o advogado da parte contrário ficou um tanto “murcho” e pensei: ganhei a causa, preparando para um acordo no qual meu cliente desistiria de uma ação indenizatória e a parte contrária do pedido de falência.

Eis então que o juiz vira-se de costas, girando sua cadeira, para a mesa de audiência e, percebo, atônito, que começa a ditar a sentença.

Minha surpresa é de pânico. O juiz estava, simplesmente, decretando a falência de meu cliente. Ali, ao vivo e à cores. Quando compreendi este fato já não ouvi mais nada do que era ditado. Fiquei, por ainda longos 30 minutos, ouvindo a sentença, os pormenores do decreto da falência, com meu cliente olhando-me entre inquisitivo e raivoso.

Bem, mas você deve estar perguntando o que tem este caso com o escrevente.

Aí é que está: pelos termos da lei de empresa, deveria ser lacrada nas 24 horas seguintes ao decreto da falência, com a arrecadação de todos os bens.

Isto seria o fim de meu cliente, independentemente dos recursos que eu pudesse usar, não conseguiria nunca, dentro dos termos escritos da lei, a ruína de meu cliente.

Não pensei muito. Terminada a audiência, em poucas palavras, disse ao meu cliente que iria fazer um recurso naquela mesma noite e iria à São Paulo, distribuir e transmitir pessoalmente. Nem mesmo lhe falei em despesas. Não havia clima para isso. Iria arcar com tudo.

Terminada esta sumária explicação despachei-me do cliente um tanto afobado e corri ao cartório. Procurei o escrivão que chamou-me à sua mesa e expliquei-lhe o que tinha havido. Mais: expliquei-lhe que cumprir aquele decreto a tempo e hora da lei seria o fim do meu cliente. E ainda: disse-lhe que o recurso que iria tentar no tribunal.

Por fim, após tudo isso, pedi que o escrivão retardasse o cumprimento da ordem judicial por 48 horas, tempo que eu achava razoável para tramitar o recurso que iria tentar, com pedido de efeito suspensivo.

Lembro-me como se fosse hoje. O escrivão cofiou sua barba demoradamente (tempo que pareceu-me uma eternidade no estado de ansiedade que eu encontrava-me) e, por fim, disse:

--Doutor, vai a São Paulo sossegado. Nós estamos com muito serviço e demorarei pelo menos três dias para fazer o mandado.

Ufa! Não com o juiz, não com petições, mas com o escrivão, dentro de um “juízo” de bom senso e razoabilidade, eu consegui o prazo que precisava.

Fui ao tribunal, consegui o efeito suspensivo da demanda, a loja não foi lacrada e, por fim, revertida a sentença, decretando-se a improcedência do pedido de falência justamente em virtude de não haver recibo de entrega das mercadorias.

Por este exemplo, verídico, vê-se a importância do relacionamento do advogado com os serventuários da justiça.

Leia o caso completo no livro: "Confissões de um advogado" de minha autoria.

Tenham um ótimo final de semana!

J. R. M. Garcia