O mais emocionante é no lusco fusco do amanhecer,
acima de um teto de nuvens baixas, em uma aeronave relativamente grande,
pesada. Digamos, um Boing 737-800.
A voz do comandante avisa sonora e clara:
“Autorizado o pouso. Estamos iniciando os procedimentos de decida.”
Neste instante os pilotos soltam o trem de pouso;
os flaps são assestados em 80 graus na vertical; as turbinas desaceleram pela
metade; a velocidade do aparelho é reduzida de 890 km. para 280 km. por hora. O
avião submerge nas nuvens e sabemos que nenhuma visão terá nos próximos minutos.
Sentimos a desaceleração em nossos corpos, como que empurrados por força
invisível para frente.
Na pratica é uma queda sob controle.
Estamos entre névoa densa. Sabe-se que a única
confiança reside nos aparelhos, pois a cerração úmida que nos cerca cega mais
que uma cortina escura. É um pequeno trecho de “vôo cego”.
Pela janela da cabine nada vemos senão uma névoa
espessa. Mas sabemos que poucos metros abaixo estão passando velozmente
prédios, casas, ruas, praças encobertas. Neste instante a tripulação já está
sentada em silêncio e, na cabine, os pilotos vigilantes ao altímetro, radar,
velocidade e distância da pista. Na verdade certeza nenhuma tem, senão a visão do
solo que teima em não aparecer.
CABINE 737
De alguma forma tosca podemos sentir física e
emocionalmente, uma paradoxal experiência mística como no poema “La noche
oscura del alma” de São
João da Cruz, um dos maiores místicos da Igreja, onde narra o doloroso ensaio
que as pessoas têm de suportar ao buscar crescimento espiritual. Temos fé que sairemos
das negruras carregadas, mas dúvida paira em nosso espírito sobre o resultado
final. É o quê, na experiência mística, atormenta o experimentador. De que
forma sairemos das nuvens escuras? Sob o choque destroçador em um prédio, ou,
por lado outro, com a pista à frente acolhedora, amiga, de cimento firme a
esperar nosso avião? Claro que podemos emergir e abortar este pouso em tempo
hábil, e voltarmos para o espaço acolhedor, acima das nuvens que nos impede a
visão. Mas, a segunda tentativa será sempre pior que a primeira e o piloto
experiente e hábil, tem o controle do medo para encontrar a pista que, no caso,
é o encontro místico de Deus.
Esta é a ambigüidade emblemática: Achar Deus ou o
desastre na loucura sem volta.
Este mergulho na escuridão roça a insanidade do
experimento místico.
“La noche oscura del alma” é um vôo cego em busca da visão de Deus. Ou
se O acha, ou para sempre perde a si mesmo.
Ótima semana.
J. R. M. Garcia.