Você já tentou pegar a sombra? Tentou guardá-la em
uma caixinha? 
       Eu já tentei. Não a sombra, mas um raio
de luz, o quê, em princípio, é a mesma coisa. 
       Muito novo, ainda criança de berço, pois
lembro-me deitado em um, em uma casa onde morávamos -éramos muito pobres- um
raio de luz passava pela fresta das telhas comuns e, curiosamente, um
deles,  incidiu-me nos olhos. Pequenino,
ainda inconsciente, tentei pegar este raio de luz. Passava pelas pequeninas mãos
e não conseguia. Tentava, tentava e não conseguia evidentemente nada. Ele
estava lá me acertando as faces. E somente fiz foi chorar.
       A que me remete estes pensamentos?
       Luz e sombra. Vemos o mundo por este
jogo. Sem luz não há sombra e sem sombra não há luz. 
     E aqui fico a penar: vivemos destas e
nestas ambigüidades reversas. É nela que passamos todos os dias de nossas vidas.
       E vida é isso mesmo. Passado e futuro.
Ontem e amanhã.  Aqui e ali. Lá e cá. E
vamos indo. 
       Nada de tentar deter o tempo. 
     Isso é razão. Este é o lado menos sombrio
da vida: a lógica. Esta lógica diferencia-nos dos animais irracionais, até
certo ponto. E é, também, nosso sofrimento, nossas angústias, nossas tristezas,
nossas ansiedades, nossas alegrias, nossas preocupações, nossas saudades. Mas é
o único senso que nos pode manter neste mundo. A fora a razão somos loucos,
estamos perdidos. 
       Sem luz, não existe sombra. E sem sombra,
não há a luz. 
       Muita luz, nos ofusca. Sem luz nenhuma,
nada vemos.
       Eu, desde aquela época, deixe de procurar
o raio de luz.
     Conformado, também, deixei de tentar
guardar as sombras.
       E você?
       Tenha um abençoado fim de semana.
       J. R. M. Garcia.  
