terça-feira, 26 de abril de 2022

JUIZ: FUNÇÃO SOLITÁRIA - (CRÔNICAS E CONTOS)



JUIZ: FUNÇÃO SOLITÁRIA

Sem medo de errar afirmo que a função judicante é a mais solitária que pode existir. Nenhuma se compara a ela.

Longe de pretender parafrasear Jesus, mas assemelhando-lhe a assertiva, não receio dizer que aquele que julga é na verdade julgado por todos.

E qual o dever do Juiz?

Julgar-nos a todos.

Terrível esta missão. Vai além da função, do sacerdócio para ser uma missão no sentido lato do termo.

Certa feita, tendo terminado uma audiência em uma pequena cidade, a qual findara em um péssimo acordo para mim, vendo que o expediente terminara, continuei dialogando com a juíza por alguns instantes sobre banalidades.

Terminei por convidá-la a ir até uma excelente confeitaria local que ficava de fronte ao Fórum para tomarmos um café e comer alguma coisa.

Ela me disse:

--Não posso.

Insisti: Doutora, mas são apenas mais uns dez minutinhos, o dia acabou e também tenho de dirigir de volta. É coisa rápida.

Com alguma tristeza – senti claramente – ela acrescentou:

--Não posso. Se atravessasse esta rua com o senhor e fosse até lá tomar café, exatamente agora quando toda cidade está comprando ali o pão para levar para casa, todo mundo comentaria no dia seguinte que me viu lá.

Retruquei.

--Mas não sou daqui, não tenho outras causas senão esta quem terminou e afinal não conheço ninguém aqui. E...

Ela interrompeu.

--Exatamente até por isso. Porque o senhor não reside aqui os comentários serão mais afoitos. Sou solteira e vivo só nesta cidade. Vou do Fórum para casa e desta para o Fórum. Leio, vejo televisão, vou a algumas solenidades oficiais, mas fora isso sou mais reclusa que o padre da paróquia.

Despedi-me, passei na panificadora, comprei alguma coisa e, enquanto guiava de volta sob um por de sol maravilhoso, continuava a pensar naquela  juíza ainda jovem. Não podia ter amigos, não podia frequentar o clube local, não podia sentar-se em um bar e tomar uma cerveja, não tinha alguém com quem pudesse trocar suas dúvidas, lamentar, falar de sua atividade, dizer alguma bobagem sem sentido, brincar com outras pessoas.

O juiz na verdade não pode ter intimidade com ninguém e nem mesmo com o escrivão que lhe atende no fórum. O prefeito pode e deve ter amplo relacionamento. O pároco local também. Os vereadores idem. Todos podem tomar cerveja em qualquer bar, conversar com todos sem nenhuma prevenção. Um juiz não.

Enfim, não conheço uma função, sacerdócio ou missão mais solitária que a de um juiz.


Do livro: Confissões de um Advogado - de minha autoria


Um bom dia a todos.

J. R. M. Garcia