JUIZ: FUNÇÃO SOLITÁRIA
Sem medo de errar afirmo que a função judicante é a mais solitária que pode existir. Nenhuma se compara a ela.
Longe de pretender parafrasear Jesus, mas assemelhando-lhe a
assertiva, não receio dizer que aquele que julga é na verdade julgado por
todos.
E qual o dever do Juiz?
Julgar-nos a todos.
Terrível esta missão. Vai além da função, do sacerdócio para
ser uma missão no sentido lato do termo.
Certa feita, tendo terminado uma audiência em uma pequena
cidade, a qual findara em um péssimo acordo para mim, vendo que o expediente
terminara, continuei dialogando com a juíza por alguns instantes sobre
banalidades.
Terminei por convidá-la a ir até uma excelente confeitaria
local que ficava de fronte ao Fórum para tomarmos um café e comer alguma coisa.
Ela me disse:
--Não posso.
Insisti: Doutora, mas são apenas mais uns dez minutinhos, o
dia acabou e também tenho de dirigir de volta. É coisa rápida.
Com alguma tristeza – senti claramente – ela acrescentou:
--Não posso. Se atravessasse esta rua com o senhor e fosse
até lá tomar café, exatamente agora quando toda cidade está comprando ali o pão
para levar para casa, todo mundo comentaria no dia seguinte que me viu lá.
Retruquei.
--Mas não sou daqui, não tenho outras causas senão esta quem
terminou e afinal não conheço ninguém aqui. E...
Ela interrompeu.
--Exatamente até por isso. Porque o senhor não reside aqui
os comentários serão mais afoitos. Sou solteira e vivo só nesta cidade. Vou do
Fórum para casa e desta para o Fórum. Leio, vejo televisão, vou a algumas
solenidades oficiais, mas fora isso sou mais reclusa que o padre da paróquia.
Despedi-me, passei na panificadora, comprei alguma coisa e,
enquanto guiava de volta sob um por de sol maravilhoso, continuava a pensar
naquela juíza ainda jovem. Não podia ter
amigos, não podia frequentar o clube local, não podia sentar-se em um bar e
tomar uma cerveja, não tinha alguém com quem pudesse trocar suas dúvidas,
lamentar, falar de sua atividade, dizer alguma bobagem sem sentido, brincar com
outras pessoas.
O juiz na verdade não pode ter intimidade com
ninguém e nem mesmo com o escrivão que lhe atende no fórum. O prefeito pode e
deve ter amplo relacionamento. O pároco local também. Os vereadores idem. Todos
podem tomar cerveja em qualquer bar, conversar com todos sem nenhuma prevenção.
Um juiz não.
Enfim, não conheço uma função, sacerdócio ou missão mais
solitária que a de um juiz.
Do livro: Confissões de um Advogado - de minha autoria
Um bom dia a todos.
J. R. M. Garcia